segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

As origens de Magni, Modi e Thrud

 Este post será dedicado especialmente aos poderosos filhos de Thor (Þórr): Magni, Modi (Móði) e Thrud (Þrúðr). Os três deuses são características personificadas de seu pai: Magni é a força, Modi, a fúria ou coragem e Thrud, o poder. Infelizmente pouco sobre eles chegou até nós, mas algumas coisas são mencionadas:

 Magni é filho de Thor e Járnsaxa (uma das nove mães de Heimdallr), ele é descrito como forte e poderoso desde pequeno, cujo vigor foi capaz de levantar a perna do gigante Hrungnir quando nenhum dos deuses foram capazes (isso será explicado noutro post). Magni tinha três dias de vida ou três anos (dependendo do manuscrito fonte), quando ele ergueu a perna de Hrungnir. Como recompensa pelo ato heroico, seu pai lhe presenteou com o veloz cavalo de Hrungnir, Gullfaxi, quase tão rápido quanto Sleipnir. Thor havia dito que seu filho seria poderoso. Seu nome significa "Força" e está associado as palavras do nórdico arcaico "mega" e "megin" (ambas "força"), as quais estão presentes no inglês como "may" e "main" (ambas "força") vindas do anglo-saxão magan, e a alemã "mögen" ("poder").

 Sobre Modi praticamente nada se sabe, apenas que ele era filho de Thor e que ele e seu irmão Magni irão retornar após o Ragnarök e que eles vão herdar o martelo Mjolnir (Mjöllnir). Como seu nome parece significar "Coragem/Fúria", então, é provável que sua mãe seja Járnsaxa também, pois ela é referida em kenningr (metáfora viking) associada a coragem na mente: Járnsöxu veðr ou "tempestade de Járnsaxa". Devo lembrar que é especulação minha, embora faça sentido. Se Járnsaxa é a agitação da mente que leva a coragem, então, ela tem algo em comum com Modi. Seu nome significa "Fúria" ou "Coragem" e está associado a palavra "móðr" ("fúria") do nórdico arcaico, o qual está presente no anglo-saxão "mod" e levando ao inglês como "mood" ("estado de espírito"), e com a alemã "muth" ("coragem").

 Thrud, é um caso diferente, ela é filha de Thor e Sif. Ela aparece entre as Valquírias (Valkyrjur) e era muito bela já que o gigante Hrungnir aparentemente a raptou num mito perdido, e isso explicaria o ódio de Thor por ele. Vale lembrar que os gigantes tentam roubar e/ou ganhar as deusas a todo custo por causa da extrema beleza delas (ex.: Sif, Freyja). Acredita-se, embora incerto, que a filha de Thor não nomeada no Alvíssmál seja Thrud. Seu nome significa "Poder" e está associada a palavra þrótt no nórdico arcaico ("poder), e relacionada com a palavra þroht ("trabalho") no anglo-saxão, mas sem correspondente no inglês moderno, e provavelmente ligada a palavra alemã drude ("feiticeira").

 Magni e Modi são citados como Æsir (deuses) no Vafþrúðnismál e Thrud aparece como uma Ásynja (deusa) no nafnaþulur.

Modi e Magni, arte de internet.


FONTES:

A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)

Dictionary Of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Edda, Anthony Faulkes

Gods And Myths Of Northern Europe, Hilda R. E. Davidson

Scandinavian Mythology, Hilda R. E. Davidson

The Poetic Edda, Carolyne Larrington

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

http://heimskringla.no/wiki/Ynglinga_saga

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

As origens de Ullr

 Ullr, o filho de Sif, é uma divindade muito importante do passado remoto da Escandinávia. Seu nome parece significar algo como "Glória" ou "Esplendor". Ullr aparece em muitos topônimos (nome de lugar derivado do nome do deus) na Suécia e Noruega, confirmando assim sua importância no panteão nórdico primitivo. O nome de Ullr nos topônimos estão localizados perto dos nomes relacionados aos Vanir. Interessante que no poema Grímnismál, a residência de Ullr, Ýdalir, fica perto de Alfheim (Álfheimr), o lar de Freyr, que é um dos mais importantes deuses.

 Pouco sobre o deus chegou até, exceto algumas passagens de Snorri na Edda em Prosa e a Gesta Danorum de Saxo Gramaticus. Ele também é citado na Edda Poética. Em Snorri, Ullr é um dos doze deuses juízes, descrito como um grande guerreiro, belo e esquiador, e incomparável na arte do arco e flecha. Em Saxo, Ullr é um poderoso feiticeiro que andava sobre o mar em seu osso encantado, ele chegou a governar Asgard (Ásgarðr) no lugar de Odin (Óðinn) por quase dez anos. A citação de Saxo mostra o quando este deus era importante pra assumir a posição de Odin.

 O pai de Ullr não é mencionado nas antigas fontes, o que torna isso um mistério, Viktor Rydberg na sua interpretação e reconstrução da mitologia nórdica acreditava que o pai do deus era Aurvandill/Egill, mas isso é muito improvável e incerto. No manuscrito Nks 1867 4to datado de 1760 é citado que Ullr é filho de Odin.

Imagem do manuscrito Nks 1867 4to de 1760, no texto superior em runas está escrito: "Ulle(r), filho de Odin, com seu arco, equipamento de esqui e flechas".

A versão da mesma cena no manuscrito SÁM 66 de 1765, podemos ler: "Ulle(r), filho de Odin".  

 É possível que essa citação venha de cópias mais antigas, mas isso não aparece nas Eddas. Contudo, o fato de Ullr ter governado Asgard no lugar de Odin no passado isso pode indicar algum grau de parentesco entre eles. Já que todos que governaram Asgard no lugar de Odin eram seus parentes: Vili e Vé (irmãos), e Mithothyn (possivelmente Loki ou Lóður, este último é identificado com o primeiro nas Rímur Islandesas, Lóður é também outro nome de Vé). Com isso, podemos deduzir que Ullr era filho de Odin e Sif, e existem pistas nas fontes antigas sobre isso, onde Loki e o pai de Thor acusaram Sif de ser infiel. Loki era amigo de Odin e ambos confidentes, talvez era um segredo entre eles.

FONTES:

A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)

Dictionary Of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Edda, Anthony Faulkes

Gods And Myths Of Northern Europe, Hilda R. E. Davidson

Saxo Grammaticus Gesta Danorum: The History of the Danes Volume I, trad. Peter Fisher

Teutonic Mythology, Viktor Rydberg

The Poetic Edda, Carolyne Larrington

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

http://heimskringla.no/wiki/Ynglinga_saga

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

As origens de Sif

 A Sif, esposa de Thor (Þórr), mãe de Ullr e Thrud (Þrúðr), é conhecida por sua beleza e exuberante cabelos, mas infelizmente pouco sobre esta divindade chegou até nós. O prólogo da Edda em Prosa, nos fala que Sif era a mais bela das mulheres (Hon var allra kvinna fegrst), que tinha o dom da vidência e vivia na parte Norte do mundo (Í norðrhálfu heims fann hann spákonu þá, er Síbíl hét, er vér köllum Sif). Os cabelos dela era como ouro (Hár hennar var sem gull). Lembrando que as descrições do prólogo são evemerizados (teoria de que os deuses eram mortais divinizados e não deuses reais), mas isto contém fatos sobre a deusa encontrados nos relatos míticos.

Sif por Jenny Nyström.

 Sif foi desejada pelo gigante Hrungnir (junto com Freyja), indicando sua beleza extraordinária. No Skáldskaparmál e na poesia viking (kenningar) o ouro era chamado de "Sifjar Haddr" que significa "Cabelo de Sif". Essas citações corroboram com o prólogo. No prólogo, também é relatado que ninguém conhece a genealogia de Sif (Engi kann at segja ætt Sifjar). Isso é muito estranho, porém, algo muito incomum apareceu na listagem dos nomes alternativos de Jord (Jörð), a Terra, no Nafnaþulur:

Jörð (Terra)

87. Jörð, Fjörn, Rofa,

Eskja ok Hlöðyn,

Gyma, Sif, Fjörgyn,

Grund, Hauðr ok Rönd,

Fold, Vangr ok Fíf,

Frón, Hjarl ok Barmr,

Land, Bjöð, Þruma,

Láð ok Merski.

 Nesta listagem, a deusa Sif é apenas outro nome de Jord para designar a Terra, e as coincidências não param por ai não: ambas são associadas ao Norte (como vimos no prólogo Sif é associada ao Norte e Jord com a Noruega em kenningar que está no extremo Norte), ambas são associadas ao Thor (esposa e mãe respectivamente), o cabelo de ambas são referências para a colheita e/ou vegetação (embora o cabelo de Sif seja uma metáfora para o ouro, o cabelo humano na cabeça é referido como "a floresta da fazenda do cérebro" ou "holt bœs heila" e as relvas/pastos da terra são chamados de "cabelos de Jord" ou "haddr Jarðar" nos kenningar). O nome "Sif" significa algo como "Parente (por sangue ou casamento)" e no prólogo da Edda em Prosa é dito que os homens pagãos contavam sua linhagem até Jord, então, por consequência a Terra é a mãe e parente de todos os seres. Com isso, podemos deduzir que Sif é uma deusa da terra tal como Jord, já foi apontado que os cabelos dourados de Sif seria a colheita madura. Provavelmente esta ideia era representar o homem como o microcosmo e os deuses [a natureza] como o macrocosmo. Algo similar a essa visão é mencionado no prólogo da Edda em Prosa. Outra coisa parece indicar essa identificação de Sif ser a mesma divindade que Jord: noutra lista do Nafnaþulur apenas Jord aparece na contagem das deusas, enquanto Sif é ignorada (o que é estranho já que ela é esposa do segundo maior deus do panteão).

Ásynjur (Deusas).

23. Nú skal ásynjur

allar nefna:

Frigg ok Freyja,

Fulla ok Snotra,

Gerðr ok Gefjon,

Gná, Lofn, Skaði,

Jörð ok Iðunn,

Ilmr, Bil, Njörun.

 

24. Hlín ok Nanna,

Hnoss, Rindr ok Sjöfn,

Sól ok Sága,

Sigyn ok Vör.

Þá er Vár, ok Syn

verðr at nefna,

en Þrúðr ok Rán

þeim næst talið.

 Talvez, porque ambas eram a mesma e única deusa. Jord foi amante de Odin (Óðinn) e Sif é acusada por Loki e pelo próprio Odin de ter tido um amante, o que indica que o filho de Laufey sabia que o filho de Bestla tinha tido algum relacionando com ela no passado já que ele era amigo do rei dos deuses e seu conselheiro segundo a Sörla Þáttr. Se Sif for mesmo Jord, então, ela é a mãe dos deuses, mas isso ficará pra outro post. Snorri afirmou na Ynglinga Saga que relações entre parentes era comum entre os Vanir e não entre os Æsir, mas Jord possui características do Vanir mesmo sendo filha de Odin. É possível que no momento que Thor (o raio) se uniu a sua mãe Jord (a Terra) tomando o lugar de Odin (o Céu), separando-os, a terra passou a se chamar Sif, para distingui-las, embora fossem a mesma divindade. O deus védico Indra tem papel análogo ao do Thor assim que nasceu: ele ficou entre seu pai Dyaus (Céu) e sua mãe Prithvi (Terra), separando-os, representando o raio. 

 Para maiores informações sobre Jord leiam aqui: https://osegredodasrunas.blogspot.com/2023/04/as-origens-de-jord.html.


FONTES:

A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)

Dictionary Of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Edda, Anthony Faulkes

Gods And Myths Of Northern Europe, Hilda R. E. Davidson

The Poetic Edda, Carolyne Larrington

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

http://heimskringla.no/wiki/Ynglinga_saga

https://www.snerpa.is/net/forn/sorla.htm

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

As origens de Balder, Hod e Vali

 Balder (Baldr), Hod (Höðr) e Vali (Váli) estão entre os grandes deuses apresentados por Snorri na Edda em Prosa (a fonte mais conhecida), eles são citados também no nafnaþulur. Suas origens são diferentes nas variadas fontes. Algumas vezes são confusas e contraditórias. Os três retornarão depois do Ragnarok (Ragnarök) reconciliados. Balder é o mais famoso e conhecido dos três.

Balder por Bengt Erland Fogelberg de 1844, foto de internet.

VERSÃO ISLANDESA (DAS EDDAS E DE SNORRI)

 Balder, filho de Odin (Óðinn) e Frigg, era muito belo, radiante (Hann er svá fagr álitum ok bjartr) e jovem quando morreu por causa da artimanha de Loki. Frigg o descreveu como corajoso e guerreiro quando Loki insultou a deusa no salão de Ægir. Balder é associado aos guerreiros em metáforas (kenningar) da poesia escandinava. Curiosamente, o significado do nome "Balder" é incerto, mas acredita-se que possa significar "Senhor", "Príncipe" ou "Bravo", o que é um título apropriado para um filho de Odin. Inclusive Balder aparece como um rei mortal no prólogo da Edda em Prosa (lembrando que o prólogo é considerado adição tardia na obra de Snorri). A variação de seu nome, "Beldeg/Bældæg", parece indicar conexão solar e/ou luz (BælBál significa "fogo", e dæg ou dag significa "dia", do inglês arcaico e nórdico arcaico respectivamente) e na genealogia dos reis saxões, ele aparece como um rei descendente de Woden (Odin). E faz sentido, pois a palavra lituana báltas ("brilhante" ou "branco") possui certas características e etimologia possível em relação a Balder. Nas Eddas (Eddur), Balder é descrito como sábio, gentil, justo e invulnerável, depois que sua mãe conseguiu fazer toda natureza proteger seu filho, deixando apenas o visgo de fora, o que causou-lhe a morte). O que a maioria das pessoas não percebe na narrativa, é que o visgo usado por Loki pra matar Balder via Hod foi colido perto do palácio de Odin (Vex viðarteinungr einn fyrir vestan Valhöll. Sá er mistilteinn kallaðr). Nas Eddas, Vali nasceu para vingar Balder e matar Hod, os três eram meios-irmãos. Vali  nasceu de Rind (Rindr) e de Odin, depois de uma profecia revelada. Vali é um exímio arqueiro. Rind foi enfeitiçada para gerar Vali, que com uma noite de vida, sem lavar as mãos e se pentear, correu para fazer o seu proposito e levar Hod a pira  funerária. Hod é citado como filho de Odin no Skáldskaparmál, mas sua mãe não é nomeada, ele é cego e forte.


VERSÃO DINAMARQUESA DE SAXO GRAMMATICUS

 Na versão dinamarquesa Balder é apresentado como um poço de luxuria, avido de desejo por Nanna, ele também aparece como filho de Odin. Ele é um semideus, ele era auxiliado pelos deuses, tinha o corpo impenetrável ao aço devido a um alimento especial. Nesta versão, as ninfas das florestas (silvestrium virginum) que provavelmente são Nornas (Nornir) dão as armas mágicas e conselhos necessários para Hod vencer e matar Balder. Saxo descreveu os deuses de forma evemerizada (teoria de que os deuses eram mortais divinizados), embora Balder é descrito como sendo de semente celestial (arcano superum semine procreatum). Hod aparece como filho do rei mortal Hothbrodd, e não de Odin. Ele não é cego, e era um grande guerreiro. Vali é chamado de Boe e era filho de Odin e Rinda. Odin usou magia também para conseguir domar Rinda e ter esse filho com ela. Boe cresceu e matou Hod, mas também morreu depois de um dia devido as feridas de batalha. A versão dinamarquesa de Saxo não é levada muito a sério porque quando é confrontada com a versão de Snorri, a do islandês se prova mais "correta". É possível que esta fosse outra versão da história (o que é comum nas mitologias ter mais de uma adaptação), mas como Saxo costumava desprezar as divindades pagãs e ridicularizar o que ele registrou por ser um homem da igreja, isso fala contra ele. Mesmo Snorri sendo cristão, dele evemerizar as divindades, sua coletânea cita fontes e algumas comprovadas pela arqueologia.

 Com isso temos pontos comuns nas duas narrativas: Balder é invulnerável, guerreiro, filho de Odin, morreu nas mãos de Hod, Hod foi ajudado por seres divinos para matar Balder (Loki, Nornas?), Balder foi vingado por um irmão Váli/Boe. Mas, também diferenças: Hod ser ou não cego, ser ou não ser filho de Odin.

VERSÃO ANGLO-SAXÔNICA

 No poema Beowulf, há uma narrativa similar onde Herebeald e Haethcyn que eram irmãos e filhos de Hrethel (dos Geats) que terminou em tragédia. Haethcyn matou Herebeald com uma flechada acidentalmente. Seu pai lamentou a morte do filho se sentindo incapaz de se vingar. Ele comparou a perda do filho a alguém que morreu enforcado em árvores tal como nos ritos em honra de Odin. É possível que seja outra versão da história, afinal os Geats eram relacionado à Odin. Herebeald é próximo de Balder e Haethcyn de Hod.


FONTES:

A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)

Dictionary Of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Edda, Anthony Faulkes

Gods And Myths Of Northern Europe, Hilda R. E. Davidson

Saxo Grammaticus Gesta Danorum: The History of the Danes Volume I, trad. Peter Fisher

The Poetic Edda, Carolyne Larrington

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Thor matou Jormungand antes do Ragnarok?

 A luta cósmica entre a ordem e o caos aparece em todas as religiões antigas, e era representado pelo combate feroz entre o deus do céu que empunha o raio contra a serpente das profundezas que é o antigo dragão. É um tema recorrente: na Grécia temos Zeus contra Tifão, na Babilônia era Marduk contra Tiamat, na Índia temos Indra contra Vrtra, os Hurritas contavam de Teshub versus Illuyanka, os Eslavos narravam sobre a batalha entre Perun e Veles. Mas, há muitos outros exemplos deste épico confronto, e na Escandinávia era representado por Thor (Þórr) contra Jormungand (Jörmungandr) ou Serpente Midgard (Miðgarðsormr).

 Nos exemplos citados acima quase sempre o deus do céu mata a serpente e manda o inimigo vencido para o submundo (ou Terra da Morte). Tá, mas e no Norte? No Norte existe duas versões como veremos a seguir.

 Nas Eddas (Eddur), Thor enfrentou a serpente Jormungand três vezes:

  1. Quando o Thor tentou levantar o gato de Utgard-Loki (Útgarðr-Loki) que na verdade era Jormungand disfarçada.
  2. Quando o Thor foi pescar a serpente com Hymir, depois do encontro com o monstro no salão de Utgard-Loki.
  3. Quando o Thor e a serpente irão se enfrentar novamente no fim dos tempos.

 Segundo o Gylfaginning, o primeiro encontro entre o deus e a serpente ocorreu quando Thor foi visitar os gigantes, e acabou sendo enganado em desafios ocultados por magia. Utgard-Loki desafiou Thor a levantar seu gato do chão, mas era Jormungand. Thor conseguiu levantar uma de suas patas do chão, fazendo a serpente se contorcer a tal modo que mal conseguiu rodear as Terras. Depois, quando estava para partir da cidadela dos gigantes, Thor ficou sabendo do ocorrido e de seu feito, então, ele decidiu matar o monstro.

 O segundo encontro ocorreu após isso, o deus foi até Hymir disfarçado de jovem (ele tem poder de mudar de forma) querendo ir pescar com o gigante. Os dois foram até o oceano e Thor fisgou a serpente. Aqui o relato é divergente: uma versão (a do Gylfaginning, a do escaldo Bragi Boddason, a estela de Gosforth e a estela de Hørdum Ty) conta que Hymir cortou a corda de Thor, noutra versão (a Hymiskviða, a estela Ardre VIII e a pedra rúnica de Altuna) não existe a intervenção de Hymir. Ambas versões são obscuras e ambíguas, pois elas não clarificam de forma precisa se o deus matou a serpente.

 No terceiro encontro registrado na Völuspá e Gylfaginning, o deus e a serpente se matarão, mas Thor finalizará o inimigo primeiro, saindo vitorioso. Porém, ele dará nove passos e cairá também.

 Como foi falado antes no post anterior, o prólogo da Edda em Prosa mencionou que Thor matou o maior dos dragões que deve ser Jormungand (einn inn mesta dreka), depois o deus se casou com Sif. No Hymiskviða é dito que Thor golpeou a cabeça da serpente violentamente (hamri kníði háfjall skarar). O escaldo Gamli vai além e disse que Thor matou a serpente com o golpe do martelo na cabeça do monstro (grundar fisk með grandi gljúfrskeljungs nam rjúfa). Gamli viveu no século 10 d.C., mas embora os fragmentos de sua poesia não clarifica se o monstro foi morto antes ou durante o Ragnarok, os kenningar (metáforas da poesia viking) parecem indicar que ocorreu durante a pescaria ao julgar pelos indicativos: grundar fiskr ou "peixe da Terra" (Jormungandr no oceano), e grand gljúfrskeljungs ou "destruidor de baleia do desfiladeiro (o martelo de Thor que destrói monstros e usado aqui para se referir a gigantes)" que são referências associados ao mar, no caso a pesca. Hymir pescou baleias na versão do Hymiskviða, corroborando a metáfora do martelo de Thor ("destruidor de baleia do desfiladeiro") como sendo durante a pesca. O escaldo Úlfr Uggason é explícito: ele narrou um salão onde ele estava que tinha imagens entalhados da vitória de Thor sobre a serpente, Thor arrancava a cabeça do monstro abaixo das ondas (Víðgymnir laust Vimrar vaðs af fránum naðri hlusta grunn við hrönnum). Úlfr também viveu no século 10 d.C. e a sua poesia é referente a pesca (hrönnum é uma metáfora para o mar, pois no Ragnarök a batalha acontecerá no campo Vigríðr na terra dos Æsir). Com a intervenção ou não de Hymir, na versão de Gamli e Úlfr, Thor matou a serpente com seu martelo. Curiosamente, no Hymiskviða, Thor é denominado de "O Único Matador da Serpente (Orms Einbani)" indicando uma possível destruição do monstro no poema. A serpente era colossal (um alvo muito grande) e o martelo de Thor não erra o alvo, então, mesmo no caso do corte da linha de pesca por Hymir, o deus atirou a arma no monstro e acertou na cabeça.

Pagina original do manuscrito GKS 2365 4º (também conhecido como Codex Regius ou Konungsbók que significa "Livro do Rei") datado de aproximadamente 1270 d.C.. Na foto destaquei em vermelho o texto onde Thor é chamado de "Orms Einbani" ou "O Único Matador da Serpente". Pouco abaixo há um espaço vazio no texto (logo após o ataque de Thor na serpente), embora não indique lacuna, é muito provável que parte do texto está faltando. 

 No Gylfaginning também é comentado por Snorri que os homens pagãos diziam que Thor havia matado a serpente antes do Ragnarök e durante a pesca, arrancando-lhe a cabeça com uma martelada, mas que ele achava que o monstro sobreviveu para poder morrer junto com o deus no final dos tempos (En Þórr kastaði hamrinum eftir honum, ok segja menn, at hann lysti af honum höfuðit við hrönnunum, en ek hygg hitt vera þér satt at segja, at Miðgarðsormr lifir enn ok liggr í umsjá). Os escaldos Gamli e Úlfr Uggason corroboram com está versão onde Thor matou a serpente durante a pesca (citações registradas no Skáldskaparmál). Ou essa batalha cósmica entre o deus do trovão vs. a serpente tinha duas versões ou a versão original é onde o filho da Terra triunfava e saia ileso da pescaria que terminava com a morte do monstro, enquanto a versão da Völuspá e Gylfaginning seria rearranjado depois do contato com o cristianismo (por influência cristã) ou mesmo adulterado. Na bíblia, no apocalipse, Deus derrotará o dragão e o lançara no abismo, provavelmente esta versão influenciou os escandinavos pagãos de fé mista (que acreditavam em deuses e na trindade cristã ao mesmo tempo, algo citado nas sagas) que tiveram contato com o cristianismo nas ilhas britânicas durante o período da era Viking. Gerando uma cosmovisão dessa batalha mista, hibrida, com elementos pagãos e cristãos. O poema Lokasenna parece confirmar que a serpente estava morta durante o Ragnarök, pois Loki provocou Thor dizendo que ele não estará tão corajoso quando for enfrentar o lobo no fim dos tempos (Jarðar burr er hér nú inn kominn, hví þrasir þú svá, Þórr? En þá þorir þú ekki, er þú skalt við úlfinn vega, ok svelgr hann allan Sigföður). Ué, pra onde a serpente foi então? Não é uma evidência que a serpente já estava morta?

Outra pagina original do manuscrito GKS 2365 4º. Na foto destaquei em vermelho o texto onde Loki falou que Thor combaterá o lobo ("Úlfinn vega") e não a serpente no Ragnarök. Como Thor é chamado de "O Único Matador da Serpente" antes de enfrentar o monstro no Hymiskviða, é possível que o deus exterminou a serpente na pesca e a fala de Loki confirmou isso. Se o Ragnarök era uma profecia onde o filho da Terra e o filho de Loki se matarão, é provável que Thor a anulou.

 As versões de Gamli e Úlfr onde Thor decapitou a serpente são muito importantes porque são datados de meados do século 10 d.C. que corresponde ao final do período pagão. A composição da Völuspá também é datada do final do século 10 d.C., porém a influência cristã na obra é inegável (note que no final pagão temos: os filhos dos deuses, um casal humano, uma árvore, um dragão e um deus que surgirá, que é exatamente o começo que é dito na bíblia: deus e seus anjos, um casal humano, uma árvore e uma serpente), o que coloca esta versão em dúvida. Porque parece que o fim do paganismo abre alas para o cristianismo, a antiga fé morre para dar entrada para a outra. Lembrando que usar "roupagem pagã" nos elementos cristãos (e vice versa) era comum no norte assim que o cristianismo chegou na Escandinávia: Jesus é apresentado como um guerreiro, São Olavo era descrito como Thor, Santa Lucia é associada ao Sol o que lembra a deusa Sunna e etc. Desse modo, elementos pagãos podem ter sido reinterpretados com "roupagem cristã" no período de transição entre as duas religiões. A possibilidade da profecia da Völva tenha sido anulada é grande, pois ela narrou eventos que poderia acontecer, então, Thor matou a serpente na pesca, evitando assim o pior no Ragnarök. Vale lembrar que narrações religiosas possuem muitas versões que nem sempre batem, mas provavelmente a versão mais antiga é onde Thor matava a serpente e sobrevivia ileso (algo mencionado pela renomada Hilda R. E. Davidson). A grande maioria das pessoas preferem acreditar na versão da Völuspá que é mais famosa e bem construída, do que nas versões de Gamli e Úlfr porque ambas conseguem pôr o Ragnarök em xeque.

 Os termos "laust af" e "lysti af" (de "ljósta af") usado na ação de Thor na cabeça da serpente no texto tem sentido de cortar fora, separar, arrancar, ou remover.

 Então, temos a opinião de dois homens pagãos, Gamli e Úlfr, que afirmam que Thor matou a serpente na pesca; e a opinião de Snorri que era cristão do século 13 d.C. achando que o monstro sobreviveu. Qual opinião é mais importante? A dos pagãos que veneravam Thor ou a de Snorri que era cristão e dizia que os deuses eram homens divinizados? Pensem nisso!  

 Outra coisa deve ser mencionada: a maioria das fontes sobre a religião nórdica e seus deuses chegaram até nós pelas mãos da igreja (exceto alguns textos rúnicos e arte pagã nas estelas), alguns relatos são provados pela arqueologia, mas devemos ter muito cuidado aqui, pois esta mesma instituição, no passado, fraldava milagres, relíquias, e era comum eles insultarem e rebaixarem as divindades nas sagas. Por isso devemos ter olhar crítico sempre! Os povos pagãos da Escandinávia passavam sua história oralmente, e as runas que era o alfabeto deles, era usado por quem entendia, afinal nem todos sabiam ler. 


FONTES:

Dictionary of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Edda, Anthony Faulkes

Gods And Myths Of Northern Europe, Hilda R. E. Davidson

Myth and Religion of the North: The Religion of Ancient Scandinavia, E. O. G. Turville-Petre

Myths of the Pagan North: The Gods of the Norsemen, Christopher Abram 

Norse Mythology: A Guide to the Gods, Heroes, Rituals, and Beliefs, John Lindow

Scandinavian Mythology, Hilda R. E. Davidson

The Poetic Edda, Henry Adams Bellows

Thor's Hammer, Hilda R. E. Davidson

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

http://www.vsnrweb-publications.org.uk/Saga-Book%20XXIV.pdf

sábado, 22 de julho de 2023

As origens de Freyr e Freyja

 Freyr e Freyja são os poderosos filhos de Njord (Njörðr) e sua esposa irmã não nomeada que pode ser Nerthus como vimos no post anterior. Freyr e Freyja eram muito venerados na Escandinávia, com numerosos topônimos (nome de lugar contendo o nome da divindade).

Arte tirada de internet representando Freyr e Freyja e seus animais sagrados.

 No Lokasenna e na Ynglinga Saga, Freyr e Freyja nasceram no Vanir e depois foram levados pelo Æsir num tratado de paz com troca de reféns. Ou seja, eles já eram nascidos na guerra divina.

 No Skírnismál, Skadi (Skaði) clamou que Freyr é seu filho, algo confirmado por Skirnir (Skírnir) no poema, mas, aqui pode ser no aspecto de consideração já que ela foi esposa de Njord. O Gylfaginning mencionou que os irmãos nasceram depois da separação de Njord e Skadi, o que é algo contraditório.

 No Grímnismál é dito que os deuses (tívar) deram Alfheim (Álfheimr) para Freyr como dádiva do dente no início dos tempos, o que indica que foi na mocidade desta poderosa divindade. Provavelmente isso ocorreu quando o trio Vanir foi aceito entre os Æsir: porque os três receberam grandes honrarias. Njord, Freyr e Freyja se tornaram os sacerdotes de sacrifícios dos deuses Æsir e Freyja ensinou magia Vanir para eles. Freyr e Freyja também eram amantes e já foram pegos juntos na cama segundo Loki (pode ser mentira, mas esse hábito sexual entre irmãos era comum entre os Vanir). No poema rúnico Anglo-saxão é registrado que Ing (Yngvi que é outro nome de Freyr) foi visto partindo em direção ao mar. Ing, Ingui, Yngvi e Ingunar-Freyr são variações das denominações de Freyr.

 Freyja pode ter nascido no mar tal como a Afrodite dos gregos (a qual tem muitas similaridades) e a Lakshmi dos hindus, Njord, seu pai, era regente desse elemento, e Vanaheim (Vanaheimr) é descrito sendo ladeado por um rio segundo a Ynglinga Saga (embora os relatos são evemerizados, eles podem conter algum eco pagão verdadeiro). A outra denominação de Freyja, Mardöll que significa "Brilho do Mar", parece confirmar isso. Com isso, podemos deduzir que os irmãos nasceram entre a união do mar (Njord) e da terra (Nerthus). A procissão de Nerthus ia da terra para o mar onde o escravo era sacrificado. Njord, Freyr e Freyja são todos associados ao mar e a terra tal como Nerthus. O mar e a terra são símbolos de abundância e vida. 


FONTES:

A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)

Dictionary of Norse Myth and Legend, Andy Orchard

Edda, Anthony Faulkes

The Poetic Edda, Carolyne Larrington

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

https://heimskringla.no/wiki/Ynglinga_saga

https://sourcebooks.fordham.edu/basis/tacitus-germanygord.asp

https://web.archive.org/web/19990417051946/http://www.ragweedforge.com/rpaa.html

https://web.archive.org/web/19991008051502/http://www.ragweedforge.com/rpae.html

sexta-feira, 14 de julho de 2023

As origens de Njord

 Njord (Njörðr) é uma das mais importantes divindades nórdicas, cuja adoração é atestada nas sagas e nos topônimos (nomes de lugares) pela Escandinávia. Embora, pouco se saiba dele em comparação a Odin (Óðinn) e Thor (Þórr), algumas coisas foram registradas nas fontes antigas.

Njord, arte de internet.

 Njord teve uma esposa entre seu clã Vanir que também era sua irmã (embora seu nome não foi registrado), algo comum nessa família divina. No poema Vafþrúðnismál, é dito que Njord foi criado em Vanaheim pelos Regin (um termo comum para deuses, mas em alguns casos esse termo se refere aos Æsir) e, então, enviado aos deuses (goðum) como refém depois da guerra. Na Ynglinga Saga é dito que Njord e Freyr eram os mais renomados (hina ágæstu menn, no sentido de chefes) do povo Vanir.
 No Íslendingabók e no Historia Norvegiae, Njord aparece como filho de Yngvi (que não é Freyr, embora é um nome dele também). Esse Yngvi (pai de Njord) é tido como filho de Odin no Ættartölur do Flateyjarbók. Se este Yngvi realmente for filho de Odin e pai de Njord, isso explicaria a guerra Æsir-Vanir, pois ambos os clãs seriam descendentes do pai dos deuses e queriam as mesmas honrarias divinas. Esse Yngvi filho de Odin é associado a Turquia, algo comum na idade média, pois os europeus acreditavam que descendiam de Tróia. Curiosamente Cybele que era uma deusa da terra entre os frígios (Anatólia na Turquia), é bastante similar a Nerthus, a deusa germânica da terra que se pensa ser a irmã de Njord. Njord, seu filho Freyr e Nerthus são associados a procissão de carruagens. O escravo morto num ritual de Nerthus era afogado num lado, o elemento líquido é domínio de Niord. Jord, a mãe-terra, também tinha um meio-irmão chamado Aud (Auðr), cujo poder parece ser a prosperidade e riqueza ao julgar pelo significado do nome, o nome do pai dele, Naglfari, parece indicar conexão com o mar. Njord também é apelidado de Aud na Ynglinga Saga, seu poder também é prosperidade/abundância e ele vivia num local cercado de navios, chamado Noatun (Nóatún). Há uma grande conexão aqui entre Njord e sua irmã não nomeada (Nerthus?) e Aud e sua irmã Jord. Annar (Annarr) pode ser outro nome de Odin e ele é pai de Jord (leiam aqui: https://osegredodasrunas.blogspot.com/2023/04/as-origens-de-jord.html), Yngvi é filho de Odin, que é pai de Njord. Também devo mencionar que é possível que a pessoa que coletou os mitos pode ter se equivocado e se enganado, fazendo Yngvi-Freyr em duas personalidades separadas, mas que na verdade era um apenas.
 Para os gregos Agdistis (Cybele), segundo uma versão, era hermafrodita no nascimento (tendo os dois sexos), mas os deuses temendo a criatura, cortaram o pênis fora, tornando-se apenas feminina. Agdistis era descendente do céu e da terra. Do pênis cortado nasceu uma árvore frutífera que foi experimentada por uma ninfa que gerou Attis. A duplicidade de Agdistis lembra sobre a Terra (Jörð) ser chamada de Fjörgyn/Fjörgynn (forma masculina e feminina) que mencionei em posts anteriores. Nerthus, a deusa germânica (cujo nome é cognato ao de Njord etimologicamente), que pode ser um aspecto ou outro nome de Jord, possui possíveis significados correlatado: "procriação ou produção (do indo europeu *nertus)", e "virilidade (do indo europeu *nara-)". Procriar sozinha tal como Ymir? Virilidade por que teria as duas polaridades? Mas, vale lembrar que a etimologia de "Njord" e "Nerthus" são incertos e possuem múltiplos possíveis significados além dos que apresentei aqui.
 Cybele era servida por sacerdotes castrados, o que lembra os sacerdotes do Vanir que praticavam culto de forma afeminada. Cybele era associada a leões e Freyja (a filha de Njord) era associada a gatos de grande porte na Escandinávia.
 Estas pistas podem ser uma evidência de que Jord/Fjorgyn/Nerthus era a mesma divindade sob nomes diferentes, mas com as mesmas características, e ela era esposa original de Njord com quem gerou seus filhos. 
 

FONTES:
A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)
Edda, Anthony Faulkes
The Poetic Edda, Carolyne Larrington
SITES CONSULTADOS:

quinta-feira, 6 de julho de 2023

As origens de Frigg

 Frigg é a rainha dos deuses, esposa de Odin (Óðinn) e mãe de Balder, mas pouco sobre ela é conhecido em comparação a Freyja, divindade ao qual é confundida pelas similaridades.

Frigg enviando Gná numa missão, sendo atendida por Fulla e outras deusas. Arte tirada do livro Asgard and the Gods: the Tales and Traditions of Our Northern Ancestors de 1902.

 Segundo Snorri na sua Edda em Prosa, Frigg é filha de Fjorgynn (dóttur Fjörgyns), algo confirmado no poema Lokasenna (Fjörgyns mær). Fjorgynn é praticamente desconhecido, e parece ser apenas um nome. Mas, essa denominação é a forma masculina da Terra (Jörð), Fjorgyn (Fjörgyn). Então, talvez, temos um par de divindades aqui: Fjorgynn e Fjorgyn, tal como Freyr e Freyja, Njord (Njörðr) e Nerthus, Phol e Volla, Ullr e Ullin. Fjörgynn é relatado etimologicamente ao protoindo-europeu *Perkwunos, e desse modo cognato ao eslavo Perun, ao lituano Perkunas e talvez com o védico Parjanya (que é identificado com Indra), que são divindades ligadas a chuvas e tempestades (Fjorgyn/Jord é a mãe de Thor (Þórr) que reforça esse laço entre eles).  

 A Terra (Jörð) foi feita da carne de Ymir (Ýmir) pelo trio criador, e este gigante primordial tinha habilidade de gerar filhos por autogênese, cujo o significado do nome ("gêmeo" ou "duplo") parece indicar sua energia dupla masculina e feminina num único ser. Então, é muito possível que a Terra tenha herdado essa habilidade. No Hinduísmo o conceito de masculino e feminino na divindade é conhecido. Shiva é considerado o aspecto masculino criador enquanto Shakti o aspecto feminino criador e ambos são um par, um casal, emanações de Brahman (não confundir com Brahma da Trimurti). Mas, infelizmente pouco sobre Tyr, Jord e Frigg chegou até nós.

 Numa das versões do poema rúnico islandês, Frigg é filha de Tyr (Týr er einhendr áss ok úlfs leifr ok Friggjar faðir). Se aceitarmos que a Terra é feminina e masculina, então, Frigg foi gerada da união da Terra e de Tyr. A Geia/Gaia e a Hera (dependendo da versão) dos gregos podiam gerar filhos por autogênese também. Vale lembrar que Frigg tem poder sobre a natureza (explícito na saga da morte de Balder), o que nos leva a crer que ela herdou de Jord, a mãe-terra. Se Frigg realmente for filha de Fjorgyn, então, ela é meia-irmã de Thor, curiosamente a mãe de Balder e o filho de Odin eram adorados como um par na Fljótsdæla Saga, a lado de Freyr e Freyja (que também são irmãos e formava outro par no templo nesta saga).

 Frigg é apontada como mãe dos deuses no prólogo da Edda em Prosa, Gylfaginning (Kona hans hét Frigg Fjörgvinsdóttir, ok af þeira ætt er sú kynslóð komin) e no poema Sonatorrek (Friggjar niðja), mas apenas Balder aparece como seu filho nas antigas fontes. Os filhos de Odin no prólogo da Edda em Prosa: Vegdeg, Beldeg/Balder, Sigi, e Skjöldr parecem serem filhos de Frigg, porque Balder aparece entre eles e o descendente de Sigi, Rerir, foi ajudado pela deusa na Völsunga Saga. Agnarr, o filho de Hrauðungr, era filho adotivo de Frigg segundo o Grímnismál. O que dificulta o esclarecimento, é que esses filhos de Odin eram reis considerados lendários e estão no prólogo que é considerado adição tardia na Edda de Snorri, contudo, essas narrativas podem ter algum eco pagão que foram passados oralmente. Isso faria Frigg não apenas a rainha dos deuses, mas a deusa que gera reis também e ela é a contraparte perfeita para Odin. 


FONTES:

A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)

Edda, Anthony Faulkes

The Icelandic Rune-Poem, R. I. Page

The Poetic Edda, Carolyne Larrington

SITES CONSULTADOS:

http://www.vsnrweb-publications.org.uk/Fljotsdale%20Saga.pdf

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

http://www.heimskringla.no/wiki/Sonatorrek_(B1)

https://heimskringla.no/wiki/V%C3%B6lsunga_saga

segunda-feira, 12 de junho de 2023

O nascimento de Heimdall

 Heimdall (Heimdallr) é um dos deuses mais interessantes do panteão nórdico, mas infelizmente pouco se sabe sobre essa grande divindade e algumas coisas são confusas e conflitantes. Segundo Snorri na sua Edda em Prosa, Heimdall é filho de Odin (Óðinn) e de nove mães, todas irmãs. O poema Völuspá hin Skamma ("A Völuspá Menor") conta que o deus foi nascido de forma milagrosa e sobrenatural.

Heimdall soprando a Gjallarhorn numa arte islandesa de um manuscrito de 1765.

 Heimdall nasceu no início dos tempos nas profundezas da Terra (Jarðar þrömr), suas nove mães o geraram e elas eram chamadas de: Gjalp ("Aquela Que Uiva"), Greip ("Aquela Que Aperta"), Eistla ("Aquela Que Brilha?" ou "Tempestuosa?"), Eyrgjafa ("Aquela Que Espalha A Areia?"), Ulfrún ("Loba" ou "Runa do Lobo"), Angeyja ("Ilha De Cheiro Agradável?"), Imðr ("Crepúsculo" ou "Tempestuosa"), Atla ("A Terrível") e Járnsaxa ("Aquela Com A Faca De Ferro"). Heimdall nasceu pelo poder da Terra (Jarðar megni), do mar congelado (svalköldum sæ) e pelo sangue do javali sacrificado (sónardreyra). Os nomes das mães de Heimdall sugerem conexão clara com o mar. No poema Hárbarðsljóð da Edda Poética, Odin disfarçado de Hárbarðr se gabou de se deitar com sete irmãs (systrum sjau) que traçavam cordas na areia e elas escavavam profundos vales na terra (rios?) e tal relato pode ter conexão aqui, já que das nove irmãs, sete estavam vivas. Gjalp e Greip foram mortas por Thor (Þórr).

 Heimdall, então, nasceu da união dos poderes da Terra, do mar congelado e do javali sacrificado. As nove gigantas que são suas mães, podem ser a personificação dos rios que ligam os nove mundos, desse modo, cada uma representaria as águas subterrâneas que correm nas raízes de Yggdrasill e acabam se encontrando. Isso parece ser confirmado numa das possíveis tradução da estrofe 2 do poema Völuspá da Edda Poética: "Eu me lembro dos nove domicílios/mundos, das nove gigantas, na gloriosa Dispensadora [Yggdrasill] abaixo da terra/Níu man ek heima, níu íviðjur, Mjötvið mæran fyr mold neðan." O poder da Terra (Jörð) é prolifico, gerador de vida, energia. A Yggdrasill está situada em três níveis cósmicos, cada nível é dividido em três (3 + 3 + 3 = 9), mas conectada as fontes de água.

 O "mar" aqui pode ser Ægir, o gigante marinho, porque a palavra usada "" é um dos epítetos dele na Edda em Prosa e na Edda Poética. Ægir é pai de nove ondas, mas seus nomes não batem com os nomes da Völuspá hin Skamma, a não ser que sejam outras denominações delas. Porém, para complicar, Gjalp e Greip são filhas do gigante Geirrod (Geirröðr), que foram mortas por Thor. Járnsaxa se uniu a Thor e gerou Magni. Heimdall tem certas similaridades com deus irlandês Manannán mac Lir. Manannán mac Lir possuía um suíno que simbolizava a abundância de alimentos tal como o Sæhrímnir de Odin (que pode ter conexão com Heimdall como veremos logo abaixo); Manannán mac Lir significa "O Filho do Mar" e é relacionado ao mar (seu pai, Lir, é o deus do mar), e Heimdall é filho de gigantas marinhas (que alguns conectam com as filhas de Ægir, mas Odin também tem conexão com o mar); Manannán mac Lir é o guardião do outro mundo (mundo dos mortos) e Heimdall é o guardião dos deuses; Manannán mac Lir tinha um cavalo mágico e Heimdall também.

 O javali que foi sacrificado pode ter sido Sæhrímnir, esse javali é morto todos os dias e renasce todas as tardes pra ser servido aos Einherjar (guerreiros) do Valhall (Valhöll). Sæhrímnir representa o renascimento e a abundância. Contudo, a palavra "sónardreya" ("javali sacrificado") é associada a "sónargöltr" ("javali sacrificado") e ambas são ligadas ao Vanir, especialmente Freyr. No poema Þrymksviða da Edda poética Heimdall é dito ver muito além (o futuro) como outro Vanr (os membros do Vanir podem ver o futuro). O sónargöltr sacrificado em honra de Freyr tinha conexão com oráculos e divinação.

 Com isso, podemos deduzir que Heimdall é a personificação da própria Yggdrasill, já que ele está na entrada do céu em Hmininbjörg ("Montanha Celeste"). Odin, é a personificação do céu e isso corroboraria Heimdall ser seu filho, pois suas nove mães ficam embaixo das águas, Heimdall no meio entre a Terra e o firmamento e Odin no alto do céu.


FONTES:

A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)

An Icelandic-English Dictionary, Richard Cleasby & M. A. Gudbrand Vigfusson

Dictionary of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Gods and Myths of Northern Europe, Hilda R. E. Davidson

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar 

Thor era representado como personificação do céu?

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