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quinta-feira, 10 de agosto de 2023

As origens de Balder, Hod e Vali

 Balder (Baldr), Hod (Höðr) e Vali (Váli) estão entre os grandes deuses apresentados por Snorri na Edda em Prosa (a fonte mais conhecida), eles são citados também no nafnaþulur. Suas origens são diferentes nas variadas fontes. Algumas vezes são confusas e contraditórias. Os três retornarão depois do Ragnarok (Ragnarök) reconciliados. Balder é o mais famoso e conhecido dos três.

Balder por Bengt Erland Fogelberg de 1844, foto de internet.

VERSÃO ISLANDESA (DAS EDDAS E DE SNORRI)

 Balder, filho de Odin (Óðinn) e Frigg, era muito belo, radiante (Hann er svá fagr álitum ok bjartr) e jovem quando morreu por causa da artimanha de Loki. Frigg o descreveu como corajoso e guerreiro quando Loki insultou a deusa no salão de Ægir. Balder é associado aos guerreiros em metáforas (kenningar) da poesia escandinava. Curiosamente, o significado do nome "Balder" é incerto, mas acredita-se que possa significar "Senhor", "Príncipe" ou "Bravo", o que é um título apropriado para um filho de Odin. Inclusive Balder aparece como um rei mortal no prólogo da Edda em Prosa (lembrando que o prólogo é considerado adição tardia na obra de Snorri). A variação de seu nome, "Beldeg/Bældæg", parece indicar conexão solar e/ou luz (BælBál significa "fogo", e dæg ou dag significa "dia", do inglês arcaico e nórdico arcaico respectivamente) e na genealogia dos reis saxões, ele aparece como um rei descendente de Woden (Odin). E faz sentido, pois a palavra lituana báltas ("brilhante" ou "branco") possui certas características e etimologia possível em relação a Balder. Nas Eddas (Eddur), Balder é descrito como sábio, gentil, justo e invulnerável, depois que sua mãe conseguiu fazer toda natureza proteger seu filho, deixando apenas o visgo de fora, o que causou-lhe a morte). O que a maioria das pessoas não percebe na narrativa, é que o visgo usado por Loki pra matar Balder via Hod foi colido perto do palácio de Odin (Vex viðarteinungr einn fyrir vestan Valhöll. Sá er mistilteinn kallaðr). Nas Eddas, Vali nasceu para vingar Balder e matar Hod, os três eram meios-irmãos. Vali  nasceu de Rind (Rindr) e de Odin, depois de uma profecia revelada. Vali é um exímio arqueiro. Rind foi enfeitiçada para gerar Vali, que com uma noite de vida, sem lavar as mãos e se pentear, correu para fazer o seu proposito e levar Hod a pira  funerária. Hod é citado como filho de Odin no Skáldskaparmál, mas sua mãe não é nomeada, ele é cego e forte.


VERSÃO DINAMARQUESA DE SAXO GRAMMATICUS

 Na versão dinamarquesa Balder é apresentado como um poço de luxuria, avido de desejo por Nanna, ele também aparece como filho de Odin. Ele é um semideus, ele era auxiliado pelos deuses, tinha o corpo impenetrável ao aço devido a um alimento especial. Nesta versão, as ninfas das florestas (silvestrium virginum) que provavelmente são Nornas (Nornir) dão as armas mágicas e conselhos necessários para Hod vencer e matar Balder. Saxo descreveu os deuses de forma evemerizada (teoria de que os deuses eram mortais divinizados), embora Balder é descrito como sendo de semente celestial (arcano superum semine procreatum). Hod aparece como filho do rei mortal Hothbrodd, e não de Odin. Ele não é cego, e era um grande guerreiro. Vali é chamado de Boe e era filho de Odin e Rinda. Odin usou magia também para conseguir domar Rinda e ter esse filho com ela. Boe cresceu e matou Hod, mas também morreu depois de um dia devido as feridas de batalha. A versão dinamarquesa de Saxo não é levada muito a sério porque quando é confrontada com a versão de Snorri, a do islandês se prova mais "correta". É possível que esta fosse outra versão da história (o que é comum nas mitologias ter mais de uma adaptação), mas como Saxo costumava desprezar as divindades pagãs e ridicularizar o que ele registrou por ser um homem da igreja, isso fala contra ele. Mesmo Snorri sendo cristão, dele evemerizar as divindades, sua coletânea cita fontes e algumas comprovadas pela arqueologia.

 Com isso temos pontos comuns nas duas narrativas: Balder é invulnerável, guerreiro, filho de Odin, morreu nas mãos de Hod, Hod foi ajudado por seres divinos para matar Balder (Loki, Nornas?), Balder foi vingado por um irmão Váli/Boe. Mas, também diferenças: Hod ser ou não cego, ser ou não ser filho de Odin.

VERSÃO ANGLO-SAXÔNICA

 No poema Beowulf, há uma narrativa similar onde Herebeald e Haethcyn que eram irmãos e filhos de Hrethel (dos Geats) que terminou em tragédia. Haethcyn matou Herebeald com uma flechada acidentalmente. Seu pai lamentou a morte do filho se sentindo incapaz de se vingar. Ele comparou a perda do filho a alguém que morreu enforcado em árvores tal como nos ritos em honra de Odin. É possível que seja outra versão da história, afinal os Geats eram relacionado à Odin. Herebeald é próximo de Balder e Haethcyn de Hod.


FONTES:

A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)

Dictionary Of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Edda, Anthony Faulkes

Gods And Myths Of Northern Europe, Hilda R. E. Davidson

Saxo Grammaticus Gesta Danorum: The History of the Danes Volume I, trad. Peter Fisher

The Poetic Edda, Carolyne Larrington

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

segunda-feira, 13 de março de 2023

Os Seres Primordiais da Cosmovisão Nórdica - Parte 2

 Neste post vamos continuar falando sobre os deuses primordiais, mas especialmente da trindade criadora: Odin, Vili e Ve (Óðinn, Vili e ), pois merecem um post só para eles.

Odin e seus animais, arte de Carl Emil Doepler de 1882.

 Odin, Vili e Ve são filhos de Bor (Borr/Burr) e Bestla e netos de Buri (Búri), segundo Snorri Sturluson na sua Edda em Prosa. Alguns fragmentos da poesia dos escaldos também confirmam essa genealogia. O trio é da terceira geração divina. Odin é o primeiro da tríade, Vili o segundo e Ve o terceiro. Os três sempre são citados juntos na criação ou viajando juntos, e Vili aparece com o nome de Hœnir e Ve com o nome de Lodur (Lóðurr) no poema Völuspá.

 Odin e seus irmãos mataram Ymir (Ýmir) e usaram o corpo do gigante para criar o céu (do crânio), as nuvens (do cérebro), a Terra (Jörð, da carne), o mar (do sangue), as montanhas (dos ossos), as pedras (dos dentes), as árvores e plantas (dos cabelos) e Midgard (Miðgarðr) de suas sobrancelhas. Praticamente nada se sabe sobre a juventude do trio ou como eles mataram Ymir, mas segundo Eysteinn Björnsson, a trindade parece ter matado o gigante cortando sua garganta. Isso aparece evidenciado através de metáforas da poesia viking no poema Þórsdrápa. Thor (Þórr) tentava atravessar o rio Vimur para ir até o gigante Geirrod (Geirröðr), até sua filha Gjalp (Gjálp) mijar no rio fazendo-o subir, então, o deus ameaçou aumentar seu poder até alcançar o céu caso o rio não diminuísse. O rio em questão é referido como "jorro de sangue do pescoço de Þorn" (snerriblóð svíra Þorns), e como sabemos, os rios e mares foram criados pelo trio de irmãos a partir do sangue de Ymir. E Þorn ("Espinho") é uma denominação de Ymir. Com isso, podemos entender que Ymir foi degolado pelo trio divino de irmãos.

 Odin se tornou o rei dos deuses, e passou a viajar pelo mundo sozinho ou acompanhado de seus irmãos, sempre procurando e testando sua sabedoria. Odin mesmo se gaba de ser o "testador dos Deuses" o que indica que ele sabe os possíveis resultados esperados antes mesmo dos acontecimentos (Vafþrúðnismál: "Muito eu tenho testado, eu testei muito os regin (deuses)"/fjölð ek freistaða, fjölð ek reynda regin). Podemos, então, entender Odin como o profeta, o mensageiro e o professor dos deuses. Odin também é o senhor das charadas e dos enigmas.

 Odin tinha conseguido sua grande sabedoria, clarividência e alta inteligência por vários meios:

1) Ele se apoderou do Hidromel dos Poetas fabricado do sangue de Kvasir que podia dar inspiração e intelecto a quem dele bebesse.

2) Após ter sacrificado um dos olhos na fonte de Mimir, Odin se tornou mais sábio e foi capaz de entender coisas ocultas e além.

3) Ele se auto sacrificou em Yggdrasil se oferecendo a si mesmo, com isso foi capaz de entender os segredos das runas.

4) Ele possuía o alto trono em Asgard (Ásgarðr) chamado Hliðskjalf (Hliðskjálf) de onde ele podia enxergar todos os mundos.

 Odin ainda contava com os bons conselhos da sua esposa Frigg e as noticias trazidas pelos seus corvos Hugin e Munin (Huginn e Muninn). O nome "Odin" significa "Frenesi/Fúria", no sentido de estar possuído, inspirado, em êxtase, em transe. Dessa forma, Odin é a força motora que move todas as coisas, dá impulso, agitação. Num sentido mais amplo, ele desenvolve a espiritualidade e o intelecto interna dos seres. Na antiguidade xamãs e também sacerdotes entravam em transe para se comunicar com o divino.

 Sobre Vili e Ve quase nada se sabe, mas eles assumiram Asgard por um tempo e cuidaram de Frigg, quando Odin se ausentou do trono por um longo período. Quando Odin retornou eles devolveram tudo ao irmão. Eles ajudaram o irmão mais velho na criação do mundo e dos homens como já foi dito. Vili significa "Desejo" e Ve significa "Sagrado".

 Vili como Hœnir já possuí mais informações: ele era calado, neutro e foi enviado ao Vanir junto com Mimir depois que os deuses fizeram as pazes após longas guerras e trocaram reféns. Ao que parece ele foi devolvido junto com a cabeça de Mimir (que foi decapitado), porque ele aparece como companheiro de viagem de Odin em algumas aventuras. Hœnir possuí o significado do nome incerto, mas geralmente é associado a aves como galo (do islandês hæns), cisne (com relação a balada das ilhas Faroé onde este deus é associado a esta ave, do grego arcaico κύκνος "cisne", e do sânscrito शोचति "brilho") e cegonha (justamente porque na balada das ilhas Faroé este deus colocou uma criança num local de penas de cisne, e possivelmente relacionado a tradição dos bebês serem entregues por cegonhas). Odin é acompanhado de corvos e um de seus nomes é "Hrafnáss" que significa "Deus dos Corvos", então, faz sentido Hœnir ser associado aos cisnes ou cegonhas O corvo é associado a morte e o cisne e/ou a cegonha com a vida.

 Ve como Lodur também possuí mais informações, porém complexas. Lodur é identificado com Loki em duas obras tardias Lokrur e Þrymlur, datadas do século 14 e 15 respectivamente (mas, de material provavelmente mais antigo já que no Norte era costume passar as coisas oralmente e desse modo pode ter sido registrado nesse período). Lodur, então, é visto como outro nome de Loki. Lodur aparece como companheiro de viagem de Odin e Hœnir, e Loki também. Aqui temos algo interessante: Lodur ajudou na criação dos homens, então em algum momento ele se corrompeu, e já assumindo o nome Loki passou a tentar a destruir o que ajudou a criar. Loki é dito ter comido o coração de uma giganta parcialmente assado e isso mudou seu temperamento. Os gigantes são destrutivos e caóticos (embora nem todos). Mas, não para por ai, Lodur/Ve é filho de Bor e Bestla, enquanto Loki é descrito como filho de Farbauti (Fárbauti) e Laufey. Loki é dito ter feito pacto de sangue com Odin no início dos tempos, então, o significado do nome Ve, ou seja, "Sagrado" pode ser uma alusão a isso, pois pactos e juramentos era algo sagrado e levado muito a sério pelos povos germânicos. Podemos deduzir que no momento que Loki comeu o coração da giganta, ele passou a ser visto como filho de gigantes (a família da giganta passou a ser seus pais?), o que deu origem a sua dupla genealogia. Pra complicar Odin possuí o nome "Tveggi" que significa "Gêmeo/Duplo", o que parece confirmar que ele e Vili/Hœnir eram irmãos, deixando Lodur/Loki de fora, ou talvez, no momento de sua queda, seus irmãos o renegaram na família, mas o manteriam por perto por causa do juramento sagrado (Ve). Lodur e Loki são de significado incerto e possui múltiplas possíveis interpretações.

 Algo interessante merece ser mencionado: Odin deu a vida e o espírito ao primeiro par humano, Ask e Embla, Vili/Hœnir deu o entendimento e o poder de se mover, e Ve/Lodur/Loki deu o sangue, os sentidos e a aparência. Desse modo, o espírito é divino e a mais alta consciência e ligado ao criador, o entendimento é nosso ego individual, enquanto o corpo é mortal e instintivo. Claramente simbolizando o que o humano pode escolher com seu ego (dom de Hœnir) entre a espiritualidade (dom de Odin) ou instintos primitivos (dom de Loki). Além disso, Loki passou a tentar a destruir a criação, sabotando os deuses sempre que podia. Assim: Odin cria, Hœnir preserva se mantendo neutro e Loki destrói. Então, podemos ver que o lado maléfico dos homens está ligado diretamente ao dom de Lodur/Loki que age por instinto, sem pensar nas consequências do ato tal como a própria divindade. Lembrando que na cosmovisão Nórdica não existe Satã (a ideia de um mal absoluto), porque toda a criação é uma mistura de energias positivas e negativas. Na ordem (os deuses) existe o caos (Loki) e no caos (gigantes) existe a ordem (Thor), com isso é mantido o equilíbrio. Na cosmovisão Nórdica tudo é tríade: vida, morte e renascimento; criação, preservação e destruição; passado, presente e futuro (personificado em: Urðr, Verðandi e Skuld); noite, dia e amanhecer (personificado em: Nótt, Dagr e Dellingr); céu, terra e mundo dos mortos (cada esfera é dividida em 3, ou seja, 3 x 3 = 9 mundos); as três raízes de Yggdrasill, os deuses são regidos por Odin, Thor e Freyr; as classes sociais eram 3 (Jarl, Karl e Þrall); etc.

 Há um ditado viking que diz que: "tudo acontece em três" (Grettis Saga: at þrisvar hefir all orðit forðum), por mais que o número 3 seja sagrado, ele é carregado de energia negativa, pois nas runas simboliza "Þ" (*Þurisaz/Þorn/Þurs) que representa os gigantes em geral. O três é finalização. Mas, num nome divino ou mortal, o "Þ" depende da combinação, pois nem sempre é negativo (isso ficará para um post futuro).

 

FONTES:

A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)

Dictionary of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Edda, Anthony Faulkes

Lokrur, Lóðurr and late evidence, Haukur Þorgeirsson

The Poetic  Edda, Lee M. Hollander

SITES:

https://sagadb.org/grettis_saga.is

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar 

https://heimskringla.no/wiki/Lokka_t%C3%A1ttur

https://heimskringla.no/wiki/Lokrur_I-IV

https://heimskringla.no/wiki/%C3%9Erymlur

https://heimskringla.no/wiki/Ynglinga_saga  

https://web.archive.org/web/20151228024633/https://notendur.hi.is/eybjorn/ugm/thorsd00.html  

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