Mostrando postagens com marcador Odin. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Odin. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Thor era representado como personificação do céu?

 Thor (Þórr), o filho primogênito de Odin (Óðinn) e Jord (Jörð), é muito conhecido pelas pessoas por ser o deus da força e do raio. Fotos de Internet.

 Segundo o Gylfaginning de Snorri, o Thor nasceu forte e poderoso e por isso vencia todas as criaturas. Thor é explicitamente a personificação do poder e da força.

 Mas, quando analisamos as fontes antigas mais atentamente, nós podemos ver que o deus é a própria personificação do céu para os antigos escandinavos.

 E como cheguei nessa conclusão? Simples! Eu segui as metáforas nórdicas (kenningar). A barba ruiva de Thor foi associada as nuvens de tempestades por Hilda R. E. Davidson. Eu não discordo dessa grande autora e acadêmica, porém os sprites (duendes) vermelhos vistos durante as tormentas podem estar relacionadas também, pois lembram fios eriçados tal como nas descrições dos cabelos de Thor no Þrymskviða.

Thor em sua carruagem manejando o Mjöllnir.

Foto tirada de sprites, fonte da imagem: https://earthsky.org/earth/definition-what-are-lightning-sprites/. Note a semelhança disso com uma barba espessa e eriçada.   

 O poema Húsdrápa associou os olhos brilhantes de Thor (innmáni ennis ou "lua interior da sobrancelha") com a Lua (Máni). Thor também é conhecido por ter criado as constelações "Olhos de Thiazi (Þjaza Augu)" e "Dedão de Aurvandill (Aurvandilstá)". Na idade média, nas ilustrações, Thor era representado com 12 estrelas na cabeça. 

 No Þórsdrápa, compilado no Skáldskaparmál, quando Thor vai ao encontro de Geirrod (Geirröðr), as duas filhas do gigante levantaram a cadeira onde o deus se sentou tentando fazê-lo se chocar com o teto da residência, mas o filho de Odin conseguiu impedir a ação, a cabeça de Thor é referenciada como o Céu e seus olhos novamente associados a Lua (hám himni loga brátungls). O combate entre eles parece ser uma referência entre o poder celeste e o poder ctônico.

 O duelo entre Thor e Hrungnir também parece indicar um "embate celestial". Thor seria a representação do céu e do raio que esmigalha as altas montanhas representados por Hrungnir e seu aliado Mökkurkálfi. Thjalfi (Þjálfi) seria o vento. A ideia de lascas de pedra na cabeça de Thor parece indicar que era como os meteoritos eram entendidos pelos escandinavos. Eles caiam do céu e ardiam, e o povo talvez acreditassem que havia ocorrido uma batalha entre Thor e os gigantes. O martelo era a representação do relâmpago que saia das nuvens. Raios também saiam dos olhos do deus.

 É comum na poesia dos escaldos ver partes do corpo humano e divino ser relacionados com a natureza, porém isso é muito importante porque liga esse entendimento a cosmovisão pagã, a natureza e a maioria dos deuses foram feitos das partes do cadáver de Ymir pelo trio divino criador. Então, é natural entender dessa forma, fazer essa associação através de metáforas. Vale lembrar que o cérebro de Ymir foi transformado em nuvens e o seu crânio no céu pelos deuses, mas isso não desqualifica a associação de Thor com esses elementos. Thor é o regente deles.

 Então, com esses exemplos metafóricos, podemos entender que Thor era visto como a personificação da abóbada celeste, seus cabelos eram as nuvens avermelhadas de tempestades (ou sprites), sua cabeça o céu e seus olhos a Lua. Essa imagem simbólica parece ser melhor compreendida quando enxergamos Thor como protetor dos deuses e homens e ele seria a "barreira" contra os gigantes que vivem do lado de fora. Vale lembrar que na cosmovisão nórdica, haviam 9 céus uns por cima dos outros (os céus dos 9 mundos). Thor (o ar, atmosfera) era filho de Odin (Céu primordial) e de Jord (a Terra). Com o nascimento de Thor, Odin foi distanciado de Jord, e assim o filho herdou os domínios do pai. As viagens constantes de Thor para o leste (para destruir Trolls) e para o oeste (retorno para o seu lar) lembra o movimento do Sol pelo céu. Algumas fontes indicam que Asgard (Ásgarðr) ficava no oeste.

 Odin, Thor e Týr (Týr) são a trindade celeste, o primeiro representa o céu noturno/primordial, o segundo representa o céu tempestuoso e o terceiro representa o céu luminoso, diurno.

 O Zeus dos gregos era visto de forma parecida na antiguidade, nos hinos órficos, Zeus era o céu. O Sol (Hélios) era chamado de "Olho de Zeus". Thor foi identificado com o romano Júpiter, o equivalente do Zeus, em alguns manuscritos antigos. A quinta feira é a prova disso, pois é o dia sagrado desses três deuses.


FONTES:

As Similaridades Entre Þórr, Perkunas, Zeus, Júpiter, Indra e Héracles, Marcio Alessandro Moreira

Edda, Anthony Faulkes

Myths and Symbols in Pagan Europe Early Scandinavian and Celtic Religions, Hilda Roderick Ellis Davidson

Scandinavian Mythology, Hilda R. E. Davidson 

Teutonic Mythology Vol. 1, Jacob Grimm

The Poetic Edda, Carolyne Larrington 

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

A origem da Yggdrasill

 Este post será dedicado a árvore cósmica Yggdrasill, o centro da cosmologia nórdica. Apesar de grande importância dentro do paganismo nórdico, sua origem é envolto em mistério. Foto de Internet.

 Porém, examinando as fontes primárias que temos (as duas Eddur), podemos enxergar nas entrelinhas.

Descrição de Yggdrasill do manuscrito AM 738 4to.

 A Völuspá conta que a árvore é eterna, enquanto o Grímnismál menciona animais abaixo e acima dela, o Snorri relatou que era nela que os deuses se reuniam com as Nornas (Nornir) para julgarem assuntos divinos diários.

 Mesmo ela sendo descrita como eterna, suas raízes denunciam que ela teve um início, uma origem. A Yggdrasill possui três raízes: uma na terra dos mortos, uma na terra dos gigantes e a outra na terra dos homens ou deuses (dependendo da fonte).

 A raiz da fonte da terra dos mortos, Niflheimr, era chamada Hvergelmir, onde o dragão Nidhogg roia a raiz.

 A raiz da fonte dos gigantes, Mimisbrunnr, era guardada por Mimir, aqui ficava escondida toda a sabedoria e entendimento.

 A outra raiz não é tão clara, pois numa fonte é dito ficar no mundo dos homens e outra diz estar na terra dos deuses. E outra parece indicar que ela ficava no sul (o que a coloca na direção de Muspelheimr).

 Pra entendermos como Yggdrasill pode ter surgido devemos recorrer as fontes. No início nada havia, apenas o mundo de fogo no sul (Muspelheimr) e o mundo de gelo no norte (Niflheimr), do encontro entre as duas regiões, no meio, ficava Ginnungagap. E Ginnungagap ficava ao leste, onde posteriormente seria a terra dos gigantes. Ymir surgiu do degelo do encontro do norte e sul, assim como Audhumbla que libertou Buri do gelo. Da união dos descendentes de Ymir e Buri surgiram os deuses. Os deuses mataram Ymir e jogaram seu corpo no Ginnungagap. O mundo é criado a partir daí, a terra é feito da carne de Ymir, as nuvens de seu cérebro, o mar de seu sangue, as montanhas dos ossos e as árvores de seus cabelos. Os homens foram criados de árvores a beira mar. Note aqui que a humanidade provavelmente tem origem dos ramos de Yggdrasill. A humanidade é como galhos da árvore cósmica. O poema Grímnismál menciona que Odin é o maior dos æsir e Yggdrasill das árvores, e Odin é o mais velho dos deuses e o mesmo deve se aplicar a Yggdrasill (como a mais antiga das árvores).

 Então, se as árvores vieram dos cabelos de Ymir, provavelmente esta foi a origem da árvore cósmica, pois como é dito na Völuspá não havia grama ou vegetação em lugar nenhum antes da criação, depois, no poema, é narrado que assim que a humanidade foi criada de árvores a beira mar as Nornes surgiram (estas poderosas entidades cuidavam de Yggdrasill e riscava os destinos em chapas de madeira). Desse modo, a humanidade pode ter sido criada dos ramos de Yggdrasill pelo trio criador. Isso explicaria a conexão da raça humana com as árvores e adoração das mesmas. Assim, todos os seres humanos estão ligados e possuem uma conexão, cada ser humano é uma "folha" de Yggdrasill. 

 Para maior entendimento leiam aqui: https://osegredodasrunas.blogspot.com/2023/04/o-parentesco-entre-os-seres-na-criacao.html


FONTES:

Edda, Anthony Faulkes

Gods and Myths of Northern Europe, Hilda R. E. Davidson

Myth and Religion of the North: The Religion of Ancient Scandinavia, E. O. G. Turville-Petre

Myths and Symbols in Pagan Europe: Early Scandinavian and Celtic Religions, Hilda R. E. Davidson

Saxo Grammaticus Gesta Danorum: The History of the Danes Volume I, trad. Peter Fisher

Scandinavian Mythology, Hilda R. E. Davidson

The Poetic Edda, Carolyne Larrington 

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

quarta-feira, 1 de maio de 2024

Os deuses e o Halo divino

 Hoje é muito comum ver halos e/ou auréolas nas representações nas artes de divindades Greco-romanas, no Hinduísmo, no Budismo e até na arte sacra da igreja (Cristianismo). O halo divino e/ou as auréolas são símbolos do poder celestial e também do conhecimento superior, o que distingue o divino do comum e do ordinário. O halo na arte pode ser representado por um disco solar, raios tipo de um zigue zague (feixe de luz) ou auréola. Fotos de Internet.

 Hélio o deus sol, Apolo (que mais tarde é identificado com o primeiro), Krishna, Hathor, Sekhmet, Rá, Dionísio, Perseu, Nike, Ares, Afrodite, Jesus e outros aparecem com esse sinal na arte e nas descrições literárias que os distingue dos mortais. Contudo, alguns personagens importantes do mundo greco-romano, santos da bíblia e de outros povos também aparecem como halo na cabeça, mas a ideia é a mesma: os imperadores eram considerados e até adorados como divinos, e os santos foram venerados ao longo da história, ou seja, alguns homens distintos eram assim representados de acordo com suas crenças. Vale lembrar que nem sempre as divindades eram representados com halo.

 Este símbolo divino também aparece no extremo norte. Nas lâminas da era do bronze escandinavo (cerca de 1800-500 a.C.) podemos ver um ser ou dupla de homens e/ou divindades com halo na cabeça. 


A navalha/lâmina encontrada no sul da Jutlandia, Dinamarca, onde vemos dois homens ou deuses com halo na cabeça remando num barco. Fonte da imagem: https://en.natmus.dk/historical-knowledge/denmark/prehistoric-period-until-1050-ad/the-bronze-age/the-people-in-the-bronze-age-barrows/life-after-death/

Navalha de Voel, Gjern, Dinamarca, novamente um par de seres são representados com halo na cabeça.

Navalha da Região de Bremen, Alemanha, onde apenas um ser aparece e é representado com o halo na cabeça.

Petroglífo de Östfold, Noruega, onde um ser aparece representado com o disco solar (?) na cabeça.

 O deus adorado na idade do bronze escandinavo é muito parecido com o Thor da era viking. Ele é descrito usando machado e/ou martelo, e costumava consagrar casais e caçadas (ao julgar pelas representações dos petroglífos). Algumas vezes, o disco solar aparece sobre sua cabeça. Veja abaixo:

Petroglífo de Aspeberget, Tegneby, Tanum, Suécia, onde podemos ver um provável deus segurando um martelo (precursor do Thor?) tendo o sol sobre sua cabeça, talvez simbolizando o halo. O sol parece estar circulado por pássaros ou aves de algum tipo ou talvez represente os seus feixes de luz. A roda solar aparece representado em seu corpo também.

 Num dos famosos chifres de Gallehus, podemos ver seres que parecem representar deuses e/ou guerreiros divinos com estrelas em cima da cabeça, tal como o halo.

Parte do chifre dourado de Gallehus encontrado na Dinamarca e datado do 5º século na nossa era, onde deuses e/ou guerreiros são representados com estrelas acima da cabeça.

 Curiosamente o Thor é descrito de forma similar também: segundo se acredita era possível obter fogo (que também representa o raio celeste) da cabeça de Thor através de um ritual relatado entre os Lapões onde o deus era conhecido e venerado como "Horagalles". Esse rito parece ter conexão com o combate de Thor e Hrungnir. Os Æsir ("deuses") é outro exemplo: as runas que formam a palavra que os define são as runas *Ansuz ("deus", a runa A) e *Sowilo ("sol", a runa S), o que indica que são deuses solares, da luz. Os deuses ainda são descritos como seres brilhantes nas fontes.

 Em 1555, o sueco Olaus Magnus compilou a história de seu povo, lendas e folclore e ele descreveu o deus Thor com 12 estrelas ao redor da cabeça (Thor autem cum corona, & sceptro, ac XII stellis defignabatur), que talvez simboliza o raio solar divino, tal como o halo.

Imagem de Historia de Gentibus Septentrionalibus de Olaus Magnus. Thor está no meio com estrelas na cabeça, rodeado de Odin e Frigg.

 Existe outra versão dessa imagem também, porém similar:

Thor sentado no trono representado com um halo de estrelas, rodeado de Odin e Frigg. Fonte da imagem: https://myndir.uvic.ca/index.html.

 Muito mais tarde, os deuses Thor e Odin foram sendo relacionados a esse sinal divino no manuscrito Nks1867 4to de 1760 e SÁM 66 de 1765. Note que as estrelas são atadas as cabeças dos dois deuses por um tipo de fio.

1) Thor e seu martelo no manuscrito Nks 1867 4to representado com uma estrela atrás da cabeça e o crânio de Jormungandr. 2) Thor no manuscrito SÁM 66 com as mesmas características do primeiro. As duas representações lembram muito o petroglífo de Tanum.
 
Odin tendo uma estrela atrás da cabeça, ambos do manuscrito SÁM 66. Fonte das imagens: https://myndir.uvic.ca/index.html.

 A deusa Sól da idade do bronze nórdico aparece nos petroglífos também puxando seu carro. O aro celeste aparece nas mais variadas formas, tal como um disco, um disco rodeado por aves ou pessoas, uma roda solar, e outros. 

O carro da Sól de Bohuslän, Suécia, onde um animal puxa o astro seguido por aves ou seria seu fagulhas de seu brilho (?).

Outro exemplo do carro solar de Bohuslän, Suécia, onde o astro solar é puxado por um animal. 

 A deusa Sól é a divindade que rege a jornada do astro solar, mas Thor e Odin parecem representar seu poder, já que os dois deuses eram associados as estrelas (Odin é tido como o criador das estrelas junto com seus irmãos, Thor era conhecido por criar constelações). Freyr também era conectado ao sol.

 Então, podemos deduzir que tal ideia (do halo) era conhecido no norte desde a era do bronze e permaneceu nas sucessivas gerações através da oralidade. Vale lembrar que os deuses da idade do bronze era bastante similar aos da era viking, embora haja muito espaço de tempo entre eles, mas podem muito bem ser suas evoluções religiosas.

 Abaixo algumas representações de deuses com o disco solar, halo ou auréola de certas culturas antigas:

Egito: Rá sentado no trono com o disco solar e o uraeus (serpente), tumba de Nefertari, 13º século a.C.

Egito: Ra-Horakhty (Rá sincretizado com Hórus) com o disco solar e uraeus abençoando mulher com o raio solar.

Grécia: Vaso ateniense representando Hélio com halo na cabeça, 5º século a.C.

Ásia: Urna de Kanishka representando Indra, Buda e Brama com halo na cabeça, Sul da Ásia, datado de 127 da era comum.

Roma: Mosaico romano descrevendo o triunfo de Netuno com halo na cabeça, do 2º século.

Roma: Júpiter representado com halo na cabeça, mosaico romano do 3-4º século.

Pérsia: Mitra com o halo na cabeça, relevo sassânida do 4º século.

Alemanha Cristã: A natividade e transfiguração de Cristo, seus anjos e santos com halo na cabeça, cerca de 1025-50, Colônia, Alemanha.

Índia: Krishna e Rukmini, ambos com halo na cabeça, mural de 1840-50 de Sheesh Mahal.

Japão: Amaterasu emergindo da caverna com halo na cabeça, 1856. 

 Como podemos ver, o halo e/ou auréola é um símbolo antigo e quase universal, associado principalmente com divindades solares e do fogo, mas também a outros deuses com outras esferas de poder. O halo na cultura hindu está ligado ao chacra da coroa (o 7º) e a aura da alma.

FONTES: 

Dictionary Of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Edda, Anthony Faulkes

Gods And Myths Of Northern Europe, Hilda R. E. Davidson

Historia de Gentibus Septentrionalibus, Olaus Magnus

Pagan Scandinavia, Hilda R. E. Davidson

Saxo Grammaticus Gesta Danorum: The History of the Danes Volume I, trad. Peter Fisher

Scandinavian Mythology, Hilda R. E. Davidson

Shadows of a Northern Past Rock Carvings of Bohuslän and Østfold, John Coles

The Chariot of the Sun and Other Rites and Symbols of the Northern Bronze Age, Peter Gelling e H. R. E. Davidson

The Poetic Edda, Carolyne Larrington

SITES:

https://www.arhantayoga.org/pt/chakra-da-coroa-a-energia-divina-do-chakra-sahasrara/

https://www.britannica.com/art/halo-art

https://www.cais-soas.com/CAIS/Religions/iranian/Zarathushtrian/halo_its_origin.htm

https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/7438322/mod_resource/content/0/%28Mnemosyne%20Supplements%20273%29%20Nicholas%20Horsfall%20-%20Virgil%2C%20Aeneid%203-Brill%20Academic%20Publishers%20%282006%29.pdf

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

https://heimskringla.no/wiki/Ynglinga_saga

sábado, 2 de março de 2024

Os professores da humanidade

 Três grandes professores (ou mestres) são mencionado nas fontes antigas da cosmovisão nórdica: Odin (Óðinn), Heimdall (Heimdallr) e Kvasir. Fotos de Internet.

 Odin é o grande senhor e professor dos deuses e homens, algo que ele mesmo menciona no poema Vafþrúðnismál ("fjölð ek of reynda regin/eu testei muito os deuses"). Ele saia pelo mundo para obter conhecimento e ensinando aos deuses e homens alguns de seus segredos. Ele havia ensinado o segredo das runas para os deuses e homens, ensinou a formação "hoste de javali" de combate aos guerreiros (svínfylking), deu conselhos para os homens nas sagas. Isso é algo compreensível, afinal ele é o deus do intelecto, do xamanismo, da sabedoria, da inteligência, da magia, da poesia, do ocultismo e da inspiração, tudo que envolve evolução e aprendizado.

Formação "tropa de javali" que teria sido ensinado aos homens por Odin. Foto de internet.

 Heimdall é outro deus professor, ele desceu a Midgard (Miðgar­ðr) como Rígr ("Rei") e criou as classes sociais, depois ensinou runas ao seu filho escolhido (Jarl) para governar. A sabedoria de Heimdall é também atestada no poema Þrymlur e Þrymskviða. Obviamente a sabedoria de Heimdall está ligada ao seu poder de poder ver e ouvir a grandes distâncias. 

 Kvasir é outra semi divindade (na Edda em Prosa ele é chamado de "mann" ou "homem", mas pode ser uma evemerização aqui), porém menos conhecida que os outros dois, mas também de importância: ele foi criado a partir da saliva de todos os deuses Æsir e Vanir, quando ambas as tribos fizeram trégua depois da guerra. Há outra versão que menciona que ele seria de origem Vanir, mas como seu nome significa algo como "fruta esmagada (pra fazer bebida)" e na antiguidade saliva era usada para fermentação de beberagem, então, a primeira origem (nascido da saliva dos deuses) é a mais plausível. Uma saga menciona que Odin cuspiu numa tigela para fermentar cerveja para uma mulher, o que deve fazer parte de algum tipo de ritual com ecos do mito de Kvasir. Por causa de seu nascimento extraordinário, Kvasir podia responder qualquer coisa. O sábio deus saiu pelo mundo ensinando sabedoria até que ele foi morto por anões. A ligação de Odin e Kvasir ficará para outro post.

 

FONTES: 

Dictionary Of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Edda, Anthony Faulkes

Gods And Myths Of Northern Europe, Hilda R. E. Davidson

Saxo Grammaticus Gesta Danorum: The History of the Danes Volume I, trad. Peter Fisher

Scandinavian Mythology, Hilda R. E. Davidson

The Poetic Edda, Carolyne Larrington

SITES:

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

https://heimskringla.no/wiki/H%C3%A1lfs_saga_ok_H%C3%A1lfsrekka

https://heimskringla.no/wiki/%C3%9Erymlur_I-III

sábado, 6 de janeiro de 2024

Se Odin é o Pai de Tudo, então, quem é a Mãe de Tudo?

 É bem sabido que Odin (Óðinn) é o Pai de Tudo/Todos e por isso mesmo chamado de "Alföðr" (de allr "tudo/todos" + föðr "pai" do nórdico arcaico). Na sua Edda em Prosa, Snorri afirmou isso se apoiando no poema Grímnismál, onde o próprio deus revelava seus muitos epítetos. Odin era assim chamado por ser o pai dos deuses e homens, uma posição compartilhada pelo cabeça de vários panteões como Zeus, Júpiter, Dyaus e outros.

Jord e Thor, arte de Thorskegga Thorn.

 Odin é pai de Thor (Þórr), Baldr, Tyr (Týr), Bragi, Heimdallr, Hod (Höðr), Vidar (Víðarr), Vali (Váli), Ullr, Hermod (Hermóðr), Skjold (Skjöldr), Sigi, Meili, Nepr, Hildólfr, Vegdeg, Ítreksjóð, Sæmingr, Froger, Jord (Jörð), e outros. Para melhor compreensão leia os posts anteriores com o marcador "origens".

 Depois dessa pequena introdução, vamos agora pra ver quem é a Mãe de Tudo/Todos que no nórdico arcaico seria Almæðr (de allr "tudo/todos" + mæðr "mãe"). A deusa candidata a essa vaga é: Jord, a Mãe-Terra. Jord possuía muitos nomes associados a terra (e alguns deles relacionados a outras divindades): Nerthus, Sif, Fjörgyn e Fjörgynn, Hlóðyn, Fold, Land, Aur, Grund, Vangr, Sandr, Hlíð, Völlr, Fjöll, etc (essas denominações são mencionadas no Skáldskaparmál e Alvíssmál).

 Como Jord/Fjorgyn/Hlodyn (Fjörgyn/Hlóðyn) ela gerou Thor e provavelmente Meili e Ullr com Odin; como Sif ela gerou Thrud (Þrúðr) com Thor; como Fjörgynn (no aspecto masculino/feminino) ela gerou Frigg e provavelmente Fulla com Tyr; como Nerthus ela gerou Freyr e Freyja com Njord (Njörðr), como Aurboda (Aurboða) ela gerou Gerd (Gerðr) com Gymir/Hlér/Ægir. Leia os posts anteriores para maior entendimento.

 Desse modo, com nomes diferentes, ela gerou os maiores deuses do clã Æsir e Vanir por pais diferentes. Isso tem paralelos na religião védica e hindu: Prithvi e/ou Aditi é a mãe dos deuses, na religião greco-romana: Gaia/Geia é a mãe das divindades, e na religião celta: Danu é a mãe do panteão. E não para por ai, os epítetos de Jord citados acima apontam que ela é muito mais que deusa da Terra, ela é a personificação do elemento terra/solo em todo cosmo: Vangr aparece no nome da casa dos deuses Thor e Freyja (Þruðvangr e Fólkvangr respectivamente), Land é sinônimo de Heimr para Terra ou local de habitação sendo que Asgard (Ásgarðr) também é chamada de Ásaland e Godheimr (Vanaheimr também é conhecida como Vanaland, Jötunheimr como Risaland), Völlr aparece em IðavöllrNiðavellir, Fjöll aparece em Niðafjöll, e Hlíð em Hlíðskjálfr, que é o local onde Odin enxerga os mundos. Resumindo: Jord é a deusa que está em todos os mundos, por isso ela é a Mãe de Tudo (uma posição conquistada após a criação, embora apagado nos mitos). Enquanto Odin é a personificação do etéreo, do alma e/ou espírito (de óðr "alma" no nórdico arcaico), Jord é a personificação do material, do sólido e/ou físico. Existe uma menção que parece corroborar essa ideia: a habitação da humanidade, Midgard (Miðgarðr), segundo o poema Grímnismál, foi feita da sobrancelha (brám) de Ymir e o elemento Terra (Jörð) foi fabricado da carne do gigante morto pelos deuses. Isso parece indicar que a deusa está em muitos lugares (mundos) personificada como solo, terra.

 O prólogo da Edda em Prosa ainda afirmou que os homens pagãos contavam que descendiam de Jörð, a Terra (ok tölðu ætt sína til hennar), que ela alimentava todos as criaturas/animais e os recebia na morte, o que é digno de uma deusa da natureza, a Mãe de Tudo/Todos.

 No início, Jord e Odin era o par perfeito, a união da Terra e do Céu personificado, mas quando Thor nasceu, ele separou seus pais ficando entre eles, representando o Ar e/ou Atmosfera, o intervalo entre abobada celeste e o solo. Thor é o primogênito de Odin e Jord, segundo Snorri, e por isso ele é o mais poderoso e o mais forte dos deuses e homens, com isso ele derrotava todas as critaturas (Ok fyrir því má hann heita Alföðr, at hann er faðir allra goðanna ok manna ok alls þess, er af honum ok hans krafti var fullgert. Jörðin var dóttir hans ok kona hans. Af henni gerði hann inn fyrsta soninn, en þat er Ása-Þórr. Honum fylgði afl ok sterkleikr. Þar af sigrar hann öll kvikvendi). Quando Odin se separou de Jord, ele se uniu a Frigg, e Thor se uniu a Jord que assumiu o nome de Sif (para maiores detalhes leia o post sobre Sif).

 Vale lembrar que, as vezes, epítetos de uma divindade acaba se transformando noutra entidade distinta com o passar dos séculos, quando uma civilização começa a esquecer sua história, ainda mais quando um povo substitui uma religião por outra, como no caso do paganismo nórdico que foi substituído pelo cristianismo. Os mitos nórdicos foram coletados muito tempo depois da era pagã (pois havia se passado mais de 200 anos da conversão do paganismo para o cristianismo), desse modo, alguns deuses podem ter se fragmentado em vários outros por falta de conhecimento, afinal as práticas antigas estavam praticamente extintas (algumas coisas sobreviveram no folclore de forma confusa e contraditória). Ainda mais quando uma divindade possuía vários nomes em várias localidades.  


FONTES:

A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)

Dictionary Of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Edda, Anthony Faulkes

Gods And Myths Of Northern Europe, Hilda R. E. Davidson

Saxo Grammaticus Gesta Danorum: The History of the Danes Volume I, trad. Peter Fisher

Scandinavian Mythology, Hilda R. E. Davidson

Teutonic Mythology, Jacob Grimm

The Poetic Edda, Carolyne Larrington

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

http://heimskringla.no/wiki/Ynglinga_saga

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

As origens de Ullr

 Ullr, o filho de Sif, é uma divindade muito importante do passado remoto da Escandinávia. Seu nome parece significar algo como "Glória" ou "Esplendor". Ullr aparece em muitos topônimos (nome de lugar derivado do nome do deus) na Suécia e Noruega, confirmando assim sua importância no panteão nórdico primitivo. O nome de Ullr nos topônimos estão localizados perto dos nomes relacionados aos Vanir. Interessante que no poema Grímnismál, a residência de Ullr, Ýdalir, fica perto de Alfheim (Álfheimr), o lar de Freyr, que é um dos mais importantes deuses.

 Pouco sobre o deus chegou até, exceto algumas passagens de Snorri na Edda em Prosa e a Gesta Danorum de Saxo Gramaticus. Ele também é citado na Edda Poética. Em Snorri, Ullr é um dos doze deuses juízes, descrito como um grande guerreiro, belo e esquiador, e incomparável na arte do arco e flecha. Em Saxo, Ullr é um poderoso feiticeiro que andava sobre o mar em seu osso encantado, ele chegou a governar Asgard (Ásgarðr) no lugar de Odin (Óðinn) por quase dez anos. A citação de Saxo mostra o quando este deus era importante pra assumir a posição de Odin.

 O pai de Ullr não é mencionado nas antigas fontes, o que torna isso um mistério, Viktor Rydberg na sua interpretação e reconstrução da mitologia nórdica acreditava que o pai do deus era Aurvandill/Egill, mas isso é muito improvável e incerto. No manuscrito Nks 1867 4to datado de 1760 é citado que Ullr é filho de Odin.

Imagem do manuscrito Nks 1867 4to de 1760, no texto superior em runas está escrito: "Ulle(r), filho de Odin, com seu arco, equipamento de esqui e flechas".

A versão da mesma cena no manuscrito SÁM 66 de 1765, podemos ler: "Ulle(r), filho de Odin".  

 É possível que essa citação venha de cópias mais antigas, mas isso não aparece nas Eddas. Contudo, o fato de Ullr ter governado Asgard no lugar de Odin no passado isso pode indicar algum grau de parentesco entre eles. Já que todos que governaram Asgard no lugar de Odin eram seus parentes: Vili e Vé (irmãos), e Mithothyn (possivelmente Loki ou Lóður, este último é identificado com o primeiro nas Rímur Islandesas, Lóður é também outro nome de Vé). Com isso, podemos deduzir que Ullr era filho de Odin e Sif, e existem pistas nas fontes antigas sobre isso, onde Loki e o pai de Thor acusaram Sif de ser infiel. Loki era amigo de Odin e ambos confidentes, talvez era um segredo entre eles.

FONTES:

A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)

Dictionary Of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Edda, Anthony Faulkes

Gods And Myths Of Northern Europe, Hilda R. E. Davidson

Saxo Grammaticus Gesta Danorum: The History of the Danes Volume I, trad. Peter Fisher

Teutonic Mythology, Viktor Rydberg

The Poetic Edda, Carolyne Larrington

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

http://heimskringla.no/wiki/Ynglinga_saga

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

As origens de Sif

 A Sif, esposa de Thor (Þórr), mãe de Ullr e Thrud (Þrúðr), é conhecida por sua beleza e exuberante cabelos, mas infelizmente pouco sobre esta divindade chegou até nós. O prólogo da Edda em Prosa, nos fala que Sif era a mais bela das mulheres (Hon var allra kvinna fegrst), que tinha o dom da vidência e vivia na parte Norte do mundo (Í norðrhálfu heims fann hann spákonu þá, er Síbíl hét, er vér köllum Sif). Os cabelos dela era como ouro (Hár hennar var sem gull). Lembrando que as descrições do prólogo são evemerizados (teoria de que os deuses eram mortais divinizados e não deuses reais), mas isto contém fatos sobre a deusa encontrados nos relatos míticos.

Sif por Jenny Nyström.

 Sif foi desejada pelo gigante Hrungnir (junto com Freyja), indicando sua beleza extraordinária. No Skáldskaparmál e na poesia viking (kenningar) o ouro era chamado de "Sifjar Haddr" que significa "Cabelo de Sif". Essas citações corroboram com o prólogo. No prólogo, também é relatado que ninguém conhece a genealogia de Sif (Engi kann at segja ætt Sifjar). Isso é muito estranho, porém, algo muito incomum apareceu na listagem dos nomes alternativos de Jord (Jörð), a Terra, no Nafnaþulur:

Jörð (Terra)

87. Jörð, Fjörn, Rofa,

Eskja ok Hlöðyn,

Gyma, Sif, Fjörgyn,

Grund, Hauðr ok Rönd,

Fold, Vangr ok Fíf,

Frón, Hjarl ok Barmr,

Land, Bjöð, Þruma,

Láð ok Merski.

 Nesta listagem, a deusa Sif é apenas outro nome de Jord para designar a Terra, e as coincidências não param por ai não: ambas são associadas ao Norte (como vimos no prólogo Sif é associada ao Norte e Jord com a Noruega em kenningar que está no extremo Norte), ambas são associadas ao Thor (esposa e mãe respectivamente), o cabelo de ambas são referências para a colheita e/ou vegetação (embora o cabelo de Sif seja uma metáfora para o ouro, o cabelo humano na cabeça é referido como "a floresta da fazenda do cérebro" ou "holt bœs heila" e as relvas/pastos da terra são chamados de "cabelos de Jord" ou "haddr Jarðar" nos kenningar). O nome "Sif" significa algo como "Parente (por sangue ou casamento)" e no prólogo da Edda em Prosa é dito que os homens pagãos contavam sua linhagem até Jord, então, por consequência a Terra é a mãe e parente de todos os seres. Com isso, podemos deduzir que Sif é uma deusa da terra tal como Jord, já foi apontado que os cabelos dourados de Sif seria a colheita madura. Provavelmente esta ideia era representar o homem como o microcosmo e os deuses [a natureza] como o macrocosmo. Algo similar a essa visão é mencionado no prólogo da Edda em Prosa. Outra coisa parece indicar essa identificação de Sif ser a mesma divindade que Jord: noutra lista do Nafnaþulur apenas Jord aparece na contagem das deusas, enquanto Sif é ignorada (o que é estranho já que ela é esposa do segundo maior deus do panteão).

Ásynjur (Deusas).

23. Nú skal ásynjur

allar nefna:

Frigg ok Freyja,

Fulla ok Snotra,

Gerðr ok Gefjon,

Gná, Lofn, Skaði,

Jörð ok Iðunn,

Ilmr, Bil, Njörun.

 

24. Hlín ok Nanna,

Hnoss, Rindr ok Sjöfn,

Sól ok Sága,

Sigyn ok Vör.

Þá er Vár, ok Syn

verðr at nefna,

en Þrúðr ok Rán

þeim næst talið.

 Talvez, porque ambas eram a mesma e única deusa. Jord foi amante de Odin (Óðinn) e Sif é acusada por Loki e pelo próprio Odin de ter tido um amante, o que indica que o filho de Laufey sabia que o filho de Bestla tinha tido algum relacionando com ela no passado já que ele era amigo do rei dos deuses e seu conselheiro segundo a Sörla Þáttr. Se Sif for mesmo Jord, então, ela é a mãe dos deuses, mas isso ficará pra outro post. Snorri afirmou na Ynglinga Saga que relações entre parentes era comum entre os Vanir e não entre os Æsir, mas Jord possui características do Vanir mesmo sendo filha de Odin. É possível que no momento que Thor (o raio) se uniu a sua mãe Jord (a Terra) tomando o lugar de Odin (o Céu), separando-os, a terra passou a se chamar Sif, para distingui-las, embora fossem a mesma divindade. O deus védico Indra tem papel análogo ao do Thor assim que nasceu: ele ficou entre seu pai Dyaus (Céu) e sua mãe Prithvi (Terra), separando-os, representando o raio. 

 Para maiores informações sobre Jord leiam aqui: https://osegredodasrunas.blogspot.com/2023/04/as-origens-de-jord.html.


FONTES:

A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)

Dictionary Of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Edda, Anthony Faulkes

Gods And Myths Of Northern Europe, Hilda R. E. Davidson

The Poetic Edda, Carolyne Larrington

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

http://heimskringla.no/wiki/Ynglinga_saga

https://www.snerpa.is/net/forn/sorla.htm

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

As origens de Balder, Hod e Vali

 Balder (Baldr), Hod (Höðr) e Vali (Váli) estão entre os grandes deuses apresentados por Snorri na Edda em Prosa (a fonte mais conhecida), eles são citados também no nafnaþulur. Suas origens são diferentes nas variadas fontes. Algumas vezes são confusas e contraditórias. Os três retornarão depois do Ragnarok (Ragnarök) reconciliados. Balder é o mais famoso e conhecido dos três.

Balder por Bengt Erland Fogelberg de 1844, foto de internet.

VERSÃO ISLANDESA (DAS EDDAS E DE SNORRI)

 Balder, filho de Odin (Óðinn) e Frigg, era muito belo, radiante (Hann er svá fagr álitum ok bjartr) e jovem quando morreu por causa da artimanha de Loki. Frigg o descreveu como corajoso e guerreiro quando Loki insultou a deusa no salão de Ægir. Balder é associado aos guerreiros em metáforas (kenningar) da poesia escandinava. Curiosamente, o significado do nome "Balder" é incerto, mas acredita-se que possa significar "Senhor", "Príncipe" ou "Bravo", o que é um título apropriado para um filho de Odin. Inclusive Balder aparece como um rei mortal no prólogo da Edda em Prosa (lembrando que o prólogo é considerado adição tardia na obra de Snorri). A variação de seu nome, "Beldeg/Bældæg", parece indicar conexão solar e/ou luz (BælBál significa "fogo", e dæg ou dag significa "dia", do inglês arcaico e nórdico arcaico respectivamente) e na genealogia dos reis saxões, ele aparece como um rei descendente de Woden (Odin). E faz sentido, pois a palavra lituana báltas ("brilhante" ou "branco") possui certas características e etimologia possível em relação a Balder. Nas Eddas (Eddur), Balder é descrito como sábio, gentil, justo e invulnerável, depois que sua mãe conseguiu fazer toda natureza proteger seu filho, deixando apenas o visgo de fora, o que causou-lhe a morte). O que a maioria das pessoas não percebe na narrativa, é que o visgo usado por Loki pra matar Balder via Hod foi colido perto do palácio de Odin (Vex viðarteinungr einn fyrir vestan Valhöll. Sá er mistilteinn kallaðr). Nas Eddas, Vali nasceu para vingar Balder e matar Hod, os três eram meios-irmãos. Vali  nasceu de Rind (Rindr) e de Odin, depois de uma profecia revelada. Vali é um exímio arqueiro. Rind foi enfeitiçada para gerar Vali, que com uma noite de vida, sem lavar as mãos e se pentear, correu para fazer o seu proposito e levar Hod a pira  funerária. Hod é citado como filho de Odin no Skáldskaparmál, mas sua mãe não é nomeada, ele é cego e forte.


VERSÃO DINAMARQUESA DE SAXO GRAMMATICUS

 Na versão dinamarquesa Balder é apresentado como um poço de luxuria, avido de desejo por Nanna, ele também aparece como filho de Odin. Ele é um semideus, ele era auxiliado pelos deuses, tinha o corpo impenetrável ao aço devido a um alimento especial. Nesta versão, as ninfas das florestas (silvestrium virginum) que provavelmente são Nornas (Nornir) dão as armas mágicas e conselhos necessários para Hod vencer e matar Balder. Saxo descreveu os deuses de forma evemerizada (teoria de que os deuses eram mortais divinizados), embora Balder é descrito como sendo de semente celestial (arcano superum semine procreatum). Hod aparece como filho do rei mortal Hothbrodd, e não de Odin. Ele não é cego, e era um grande guerreiro. Vali é chamado de Boe e era filho de Odin e Rinda. Odin usou magia também para conseguir domar Rinda e ter esse filho com ela. Boe cresceu e matou Hod, mas também morreu depois de um dia devido as feridas de batalha. A versão dinamarquesa de Saxo não é levada muito a sério porque quando é confrontada com a versão de Snorri, a do islandês se prova mais "correta". É possível que esta fosse outra versão da história (o que é comum nas mitologias ter mais de uma adaptação), mas como Saxo costumava desprezar as divindades pagãs e ridicularizar o que ele registrou por ser um homem da igreja, isso fala contra ele. Mesmo Snorri sendo cristão, dele evemerizar as divindades, sua coletânea cita fontes e algumas comprovadas pela arqueologia.

 Com isso temos pontos comuns nas duas narrativas: Balder é invulnerável, guerreiro, filho de Odin, morreu nas mãos de Hod, Hod foi ajudado por seres divinos para matar Balder (Loki, Nornas?), Balder foi vingado por um irmão Váli/Boe. Mas, também diferenças: Hod ser ou não cego, ser ou não ser filho de Odin.

VERSÃO ANGLO-SAXÔNICA

 No poema Beowulf, há uma narrativa similar onde Herebeald e Haethcyn que eram irmãos e filhos de Hrethel (dos Geats) que terminou em tragédia. Haethcyn matou Herebeald com uma flechada acidentalmente. Seu pai lamentou a morte do filho se sentindo incapaz de se vingar. Ele comparou a perda do filho a alguém que morreu enforcado em árvores tal como nos ritos em honra de Odin. É possível que seja outra versão da história, afinal os Geats eram relacionado à Odin. Herebeald é próximo de Balder e Haethcyn de Hod.


FONTES:

A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)

Dictionary Of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Edda, Anthony Faulkes

Gods And Myths Of Northern Europe, Hilda R. E. Davidson

Saxo Grammaticus Gesta Danorum: The History of the Danes Volume I, trad. Peter Fisher

The Poetic Edda, Carolyne Larrington

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

quinta-feira, 6 de julho de 2023

As origens de Frigg

 Frigg é a rainha dos deuses, esposa de Odin (Óðinn) e mãe de Balder, mas pouco sobre ela é conhecido em comparação a Freyja, divindade ao qual é confundida pelas similaridades.

Frigg enviando Gná numa missão, sendo atendida por Fulla e outras deusas. Arte tirada do livro Asgard and the Gods: the Tales and Traditions of Our Northern Ancestors de 1902.

 Segundo Snorri na sua Edda em Prosa, Frigg é filha de Fjorgynn (dóttur Fjörgyns), algo confirmado no poema Lokasenna (Fjörgyns mær). Fjorgynn é praticamente desconhecido, e parece ser apenas um nome. Mas, essa denominação é a forma masculina da Terra (Jörð), Fjorgyn (Fjörgyn). Então, talvez, temos um par de divindades aqui: Fjorgynn e Fjorgyn, tal como Freyr e Freyja, Njord (Njörðr) e Nerthus, Phol e Volla, Ullr e Ullin. Fjörgynn é relatado etimologicamente ao protoindo-europeu *Perkwunos, e desse modo cognato ao eslavo Perun, ao lituano Perkunas e talvez com o védico Parjanya (que é identificado com Indra), que são divindades ligadas a chuvas e tempestades (Fjorgyn/Jord é a mãe de Thor (Þórr) que reforça esse laço entre eles).  

 A Terra (Jörð) foi feita da carne de Ymir (Ýmir) pelo trio criador, e este gigante primordial tinha habilidade de gerar filhos por autogênese, cujo o significado do nome ("gêmeo" ou "duplo") parece indicar sua energia dupla masculina e feminina num único ser. Então, é muito possível que a Terra tenha herdado essa habilidade. No Hinduísmo o conceito de masculino e feminino na divindade é conhecido. Shiva é considerado o aspecto masculino criador enquanto Shakti o aspecto feminino criador e ambos são um par, um casal, emanações de Brahman (não confundir com Brahma da Trimurti). Mas, infelizmente pouco sobre Tyr, Jord e Frigg chegou até nós.

 Numa das versões do poema rúnico islandês, Frigg é filha de Tyr (Týr er einhendr áss ok úlfs leifr ok Friggjar faðir). Se aceitarmos que a Terra é feminina e masculina, então, Frigg foi gerada da união da Terra e de Tyr. A Geia/Gaia e a Hera (dependendo da versão) dos gregos podiam gerar filhos por autogênese também. Vale lembrar que Frigg tem poder sobre a natureza (explícito na saga da morte de Balder), o que nos leva a crer que ela herdou de Jord, a mãe-terra. Se Frigg realmente for filha de Fjorgyn, então, ela é meia-irmã de Thor, curiosamente a mãe de Balder e o filho de Odin eram adorados como um par na Fljótsdæla Saga, a lado de Freyr e Freyja (que também são irmãos e formava outro par no templo nesta saga).

 Frigg é apontada como mãe dos deuses no prólogo da Edda em Prosa, Gylfaginning (Kona hans hét Frigg Fjörgvinsdóttir, ok af þeira ætt er sú kynslóð komin) e no poema Sonatorrek (Friggjar niðja), mas apenas Balder aparece como seu filho nas antigas fontes. Os filhos de Odin no prólogo da Edda em Prosa: Vegdeg, Beldeg/Balder, Sigi, e Skjöldr parecem serem filhos de Frigg, porque Balder aparece entre eles e o descendente de Sigi, Rerir, foi ajudado pela deusa na Völsunga Saga. Agnarr, o filho de Hrauðungr, era filho adotivo de Frigg segundo o Grímnismál. O que dificulta o esclarecimento, é que esses filhos de Odin eram reis considerados lendários e estão no prólogo que é considerado adição tardia na Edda de Snorri, contudo, essas narrativas podem ter algum eco pagão que foram passados oralmente. Isso faria Frigg não apenas a rainha dos deuses, mas a deusa que gera reis também e ela é a contraparte perfeita para Odin. 


FONTES:

A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)

Edda, Anthony Faulkes

The Icelandic Rune-Poem, R. I. Page

The Poetic Edda, Carolyne Larrington

SITES CONSULTADOS:

http://www.vsnrweb-publications.org.uk/Fljotsdale%20Saga.pdf

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

http://www.heimskringla.no/wiki/Sonatorrek_(B1)

https://heimskringla.no/wiki/V%C3%B6lsunga_saga

segunda-feira, 12 de junho de 2023

O nascimento de Heimdall

 Heimdall (Heimdallr) é um dos deuses mais interessantes do panteão nórdico, mas infelizmente pouco se sabe sobre essa grande divindade e algumas coisas são confusas e conflitantes. Segundo Snorri na sua Edda em Prosa, Heimdall é filho de Odin (Óðinn) e de nove mães, todas irmãs. O poema Völuspá hin Skamma ("A Völuspá Menor") conta que o deus foi nascido de forma milagrosa e sobrenatural.

Heimdall soprando a Gjallarhorn numa arte islandesa de um manuscrito de 1765.

 Heimdall nasceu no início dos tempos nas profundezas da Terra (Jarðar þrömr), suas nove mães o geraram e elas eram chamadas de: Gjalp ("Aquela Que Uiva"), Greip ("Aquela Que Aperta"), Eistla ("Aquela Que Brilha?" ou "Tempestuosa?"), Eyrgjafa ("Aquela Que Espalha A Areia?"), Ulfrún ("Loba" ou "Runa do Lobo"), Angeyja ("Ilha De Cheiro Agradável?"), Imðr ("Crepúsculo" ou "Tempestuosa"), Atla ("A Terrível") e Járnsaxa ("Aquela Com A Faca De Ferro"). Heimdall nasceu pelo poder da Terra (Jarðar megni), do mar congelado (svalköldum sæ) e pelo sangue do javali sacrificado (sónardreyra). Os nomes das mães de Heimdall sugerem conexão clara com o mar. No poema Hárbarðsljóð da Edda Poética, Odin disfarçado de Hárbarðr se gabou de se deitar com sete irmãs (systrum sjau) que traçavam cordas na areia e elas escavavam profundos vales na terra (rios?) e tal relato pode ter conexão aqui, já que das nove irmãs, sete estavam vivas. Gjalp e Greip foram mortas por Thor (Þórr).

 Heimdall, então, nasceu da união dos poderes da Terra, do mar congelado e do javali sacrificado. As nove gigantas que são suas mães, podem ser a personificação dos rios que ligam os nove mundos, desse modo, cada uma representaria as águas subterrâneas que correm nas raízes de Yggdrasill e acabam se encontrando. Isso parece ser confirmado numa das possíveis tradução da estrofe 2 do poema Völuspá da Edda Poética: "Eu me lembro dos nove domicílios/mundos, das nove gigantas, na gloriosa Dispensadora [Yggdrasill] abaixo da terra/Níu man ek heima, níu íviðjur, Mjötvið mæran fyr mold neðan." O poder da Terra (Jörð) é prolifico, gerador de vida, energia. A Yggdrasill está situada em três níveis cósmicos, cada nível é dividido em três (3 + 3 + 3 = 9), mas conectada as fontes de água.

 O "mar" aqui pode ser Ægir, o gigante marinho, porque a palavra usada "" é um dos epítetos dele na Edda em Prosa e na Edda Poética. Ægir é pai de nove ondas, mas seus nomes não batem com os nomes da Völuspá hin Skamma, a não ser que sejam outras denominações delas. Porém, para complicar, Gjalp e Greip são filhas do gigante Geirrod (Geirröðr), que foram mortas por Thor. Járnsaxa se uniu a Thor e gerou Magni. Heimdall tem certas similaridades com deus irlandês Manannán mac Lir. Manannán mac Lir possuía um suíno que simbolizava a abundância de alimentos tal como o Sæhrímnir de Odin (que pode ter conexão com Heimdall como veremos logo abaixo); Manannán mac Lir significa "O Filho do Mar" e é relacionado ao mar (seu pai, Lir, é o deus do mar), e Heimdall é filho de gigantas marinhas (que alguns conectam com as filhas de Ægir, mas Odin também tem conexão com o mar); Manannán mac Lir é o guardião do outro mundo (mundo dos mortos) e Heimdall é o guardião dos deuses; Manannán mac Lir tinha um cavalo mágico e Heimdall também.

 O javali que foi sacrificado pode ter sido Sæhrímnir, esse javali é morto todos os dias e renasce todas as tardes pra ser servido aos Einherjar (guerreiros) do Valhall (Valhöll). Sæhrímnir representa o renascimento e a abundância. Contudo, a palavra "sónardreya" ("javali sacrificado") é associada a "sónargöltr" ("javali sacrificado") e ambas são ligadas ao Vanir, especialmente Freyr. No poema Þrymksviða da Edda poética Heimdall é dito ver muito além (o futuro) como outro Vanr (os membros do Vanir podem ver o futuro). O sónargöltr sacrificado em honra de Freyr tinha conexão com oráculos e divinação.

 Com isso, podemos deduzir que Heimdall é a personificação da própria Yggdrasill, já que ele está na entrada do céu em Hmininbjörg ("Montanha Celeste"). Odin, é a personificação do céu e isso corroboraria Heimdall ser seu filho, pois suas nove mães ficam embaixo das águas, Heimdall no meio entre a Terra e o firmamento e Odin no alto do céu.


FONTES:

A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)

An Icelandic-English Dictionary, Richard Cleasby & M. A. Gudbrand Vigfusson

Dictionary of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Gods and Myths of Northern Europe, Hilda R. E. Davidson

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar 

sexta-feira, 26 de maio de 2023

As origens de Tyr

 Tyr (Týr), o poderoso deus da guerra, da vitória, da coragem e da lealdade, foi muito venerado na antiguidade pelos povos germânicos e eles lhe honraram a terça-feira (dedicado ao planeta Marte que é seu correspondente latino). Tyr possui duas versões de origens nos relatos nórdicos: numa ele é filho de Hymir e sua esposa, e noutra ele é filho de Odin (Óðinn), embora muito pouco sobre o deus sobreviveu até nós.

Tyr tendo a mão amputada por Fenrir, manuscrito islandês de 1760.

 No poema Lokasenna, o Loki afirmou que Tyr tinha uma esposa e um filho que não são nomeados, que são um total mistério.

 Na Edda Poética, Tyr é identificado como filho do gigante Hymir e sua esposa, a avô do deus tinha 900 cabeças (hafði höfða hundruð níu). Assim, Tyr é descendente de gigantes (áttnið jötnar). Esses gigantes viviam perto do mar e em cavernas. A mãe de Tyr é descrita como enfeitada em ouro e de sobrancelhas alvas (algullin fram brúnhvít). A mãe de Tyr, no poema, é denominada "Frilla", que significa "Senhora", "Amante" ou "Amiga", e pode muito bem ser o nome próprio dela. Hymir é um gigante que vive no fim do céu (Hymir at himins enda) no leste de Élivágar (Býr fyr austan Élivága). O nome de Hymir pode significar "Aquele Que Esgueira Na Escuridão" (de hýma) ou "Crepúsculo" (de húm), indicando uma divindade provavelmente noturna, porque sua esposa Frilla pode representar a luz do amanhecer já que é vestida em ouro e de claras sobrancelhas. Tyr significa "Deus", mas seu nome está ligado ao protoindo-europeu *dyeus que significa "Luz Celestial/Brilho Diurno" (e relatado etimologicamente à Zeus dos gregos, Dyaus dos hindus, Júpiter dos romanos). Desse modo, o Crepúsculo (Hymir) se unindo ao amanhecer (Frilla), gerou a luz do céu (Týr). Uma genealogia muito interessante.

 Na Edda em Prosa, Tyr é identificado como filho de Odin (sons Óðins), mas não dá nenhum detalhe além dessa afirmação. A maioria dos sites de mitologia da internet afirmam que Frigg é mãe de Tyr, mas isso não se encontra nas fontes antigas, pelo contrário: existe uma fonte tardia que conta que Frigg é filha de Tyr (Friggjar faðir). Muitos acreditam que Frigg é a mãe dos Æsir se apoiando no fato mencionado no Gylfaginning da Edda em Prosa (Kona hans hét Frigg Fjörgvinsdóttir, ok af þeira ætt er sú kynslóð komin) e no poema Sonatorrek (Friggjar niðja), mas nas fontes antigas apenas Balder aparece de forma clara como seu filho (isso ficará para o post sobre Frigg).

 Então, como no caso de Jord (Jörð) visto no post anterior, Tyr (o Céu ou Luz Celeste) pode ter surgido assim que Odin estava edificando a criação, nascendo no momento do encontro da noite (Hymir) com o amanhecer do dia (Frilla) e por isso surgiu essa dupla genealogia. Isso casaria as duas versões. Talvez, as 900 cabeças da avó de Tyr possa representar as posições das estrelas no céu. Vale lembrar que o "nascimento" dos deuses não é igual ao dos humanos, as vezes, eles surgem adultos e plenos porque o universo necessita deles. Também deve ter dito que os mitos possuem versões que as vezes são conflitantes e contraditórios. 


FONTES:

A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)

Edda, Anthony Faulkes

Egils Saga, Bjarni Einarsson

The Icelandic Rune-Poem, R. I. Page

The Poetic Edda, Carolyne Larrington 

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

http://www.heimskringla.no/wiki/Sonatorrek_(B1)

domingo, 30 de abril de 2023

As origens e a juventude de Thor

 Segundo Snorri Sturluson, Thor (Þórr) é o primeiro filho (fyrsta soninn) de Odin (Óðinn) e Jord (Jörð), e por causa dessa combinação de poderes, ele é o mais poderoso e o mais forte dos deuses. Thor é imbuído de poder e força e por isso ele podia vencer todas as criaturas (Honum fylgði afl ok sterkleikr. Þar af sigrar hann öll kvikvendi).

Thor levantando o gato de Utgard-Loki (Útgarðr-Loki), arte de Katharine Pyle tirada da internet.

 Pouco se sabe sobre a juventude de Thor, mas o prólogo da Edda em Prosa nos dá algumas informações a respeito disso. Porém, devo lembra-los que este relato foi evemerizado (teoria de que os deuses antigos eram heróis do passado divinizados), e contém material que não fazia parte originalmente da tradição pagã nórdica. O prólogo, que é considerado uma adição tardia a Edda em Prosa (lembrando que esses textos foram coletados após a era pagã nórdica), nos fala que Thor era descendente da filha do rei de Tróia, Príamo, que era chamada Tróan e do rei Menon. Na idade média era comum os europeus acharem que descendiam de Troianos, mas isso não fazia parte da fé pagã nórdica, embora haja conexão do panteão nórdico com o panteão das tradições indo-europeias. Afinal, a região habitada dos indo-europeus estava próxima de vários povos como os Hititas (que são considerados de origem indo-europeia), Acádia, e outros. Como podemos ver essa "origem" de Thor é muito contestada. Num dos manuscritos da Edda em Prosa Thor é identificado com Júpiter e com Heitor (o herói de Tróia por causa da similaridade do nome, embora de etimologia diferente). É possível que o culto de Thor tenha vindo da estepe pôntica na Europa oriental ou Ásia menor (Hipótese Curgã) até a Escandinávia e isso explicaria esse relato do prólogo, mas como ele foi evemerizado, então, é incerto.

 Mas, voltando ao assunto, o prólogo ainda narra que Thor foi criado por Loríkús e Lóra ou Glóra. No Skáldskaparmál é dito que Thor foi criado por Vingnir e este último está na lista de gigantes no Nafnaþulur. Então, podemos deduzir que esse casal eram gigantes. Thor também é conhecido por esse nome (Vingnir), o que nos leva a crer que foi em lembrança ao pai adotivo que ele ganhou essa denominação. Com 10 anos Thor recebeu as armas de seu pai, mas não clarifica quais eram (dificilmente é o martelo aqui, porque esta arma foi dádiva de Brokkr e Sindri/Eitri, contudo nas fontes são citados uma clava e um cetro como instrumento na mão do deus). Thor é descrito como belo e muito destacado por sua aparência divina. Com 12 anos Thor atingiu a plenitude de sua força prodigiosa, depois ele matou seus pais adotivos e tomou posse do reino de Thrudheim (Þrúðheimr) que é identificado como sendo a Trácia (evemerização lembram?). Após isso, Thor andou pelo mundo vencendo e matando berserkers, gigantes, muitos animais selvagens e o maior dos dragões (Þá fór hann víða um lönd ok kannaði allar heimshálfur ok sigraði einn saman alla berserki ok alla risa ok einn inn mesta dreka ok mörg dýr). O maior dos dragões é uma referência a Serpente Midgard (Miðgarðsormr). Na região norte do Mundo, Thor conheceu Sif e se casou com ela. O prólogo identifica Sif com Sibila. O interessante aqui é que Thor matou a serpente e saiu ileso para se casar (isso ficará para outro post). Thor é canonicamente filho de Odin e isso aparece em várias fontes antigas, mas praticamente nada se sabe sobre sua criação pelo gigante Vingnir. Na Völuspá (e Gylfaginning) é mencionado, que após a criação, a trindade criadora voltava para a casa quando encontrou árvores a beira mar e criou o par humano, então, é possível que Thor foi criado por gigantes neste período, pois os gigantes estavam repovoando a espécie em Jotunheim (Jötunheimr) logo após o dilúvio. O trio criador andava pela Terra quando gerou divindades, seres semidivinos e humanos e depois foram para o lar dos deuses recém criado.

 O número 10 nas runas do Antigo Fuþark corresponde a *Nauthiz e representa aquilo que é necessário, o que é preciso, e está associado ao destino, já o número 12 representa a *Jera que é o ano, o ciclo, e a colheita. Então, Thor como o protetor dos deuses e homens, é o agente do destino, que traz o fim as forças contrárias a criação representados pelos gigantes. Podemos entender que Thor foi destinado a trazer fim aos gigantes ao mesmo tempo que mantém as colheitas com suas tempestades.

 

FONTES:

A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)

Dictionary of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Edda, Anthony Faulkes

History of the Archbishops of Hamburg-Bremen, Adam of Bremen trad. Francis J. Tschan

Myth and Religion of the North: The Religion of Ancient Scandinavia, E. O. G. Turville-Petre

Saxo Grammaticus Gesta Danorum: The History of the Danes Volume I, trad. Peter Fisher

Scandinavian Mythology, Hilda R. E. Davidson

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

https://heimskringla.no/wiki/Ynglinga_saga

Thor era representado como personificação do céu?

 Thor ( Þórr ), o filho primogênito de Odin ( Óðinn ) e Jord ( Jörð ), é muito conhecido pelas pessoas por ser o deus da força e do raio. Fo...

Mais Vistos