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quinta-feira, 20 de março de 2025

Lytir, o deus do vagão

 Lytir (Lýtir no nórdico arcaico) é uma divindade mencionada no Hauks Þáttr Hábrókar do Flateyjarbók, porém quase nada sobre ele é conhecido. A pequena descrição sobre ele sugere uma conexão com o Vanir, porém é apenas especulação. Fotos de Internet.

 Segundo a passagem no texto, o deus foi levado numa carruagem até o rei sueco para ser consultado, tal como numa procissão. A carruagem primeiro foi levada a um local sagrado onde o deus entrou, antes de seguir viagem ao reino. Esta descrição lembra muito a da Nerthus (mencionada em Germania por Tácito) e Freyr (mencionado no Ögmundar Þáttr Dytts).

 A Nerthus era levada num carro puxado por bois até o povo porque costumava intervir nos casos humanos, seu carro ficava numa ilha num bosque consagrado e coberto por um véu. Os sacerdotes pressentiam a presença da deusa antes de transportá-la numa procissão.  

 A estátua de Freyr era levada numa carruagem por uma jovem sacerdotisa para ser consultado na Suécia, sua imagem estava viva (Freyr væri lifandi) e falava com o povo. A passagem menciona roupas colocadas na estátua do deus. A ótica cristã do redator da saga descreve a cena como o demônio animando a estátua de Freyr (obviamente pervertendo o simbolismo pagão). Talvez, esse rito era pra celebrar a fertilidade da Terra simbolizado pela união do deus com a sacerdotisa.

 O nome "Lytir" pode estar associado a palavra nórdica antiga "hlutr" significando "sorte" (de cerimonial de tirar a sorte), "quinhão/porção" ou "adivinhar" e com "lýta" (e litr "colorido") que significa "mancha[do]". A velha palavra nórdica "liðr" significa "membro viril/pênis" e também pode estar relacionada. É mais comum Lytir ser identificado com Freyr por causa do seu possível significado de "sorte" algo que é relacionado com o Vanir. Mas, também já foi sugerido que Lytir poderia ser uma variação de Lodur (Lóðurr), um dos três deuses criadores, o que parece bastante improvável, embora o mesmo viajava pelo mundo com Odin (Óðinn) e Hœnir como um trio. Lodur é identificado com Loki em alguns manuscritos, e como o último não é uma divindade benfazeja isso fala contra esta identificação. Contudo, se o nome significar "pênis", isso corrobora com a identificação à Freyr cuja representação era um largo falo segundo o relato de Adam de Bremen (a imagem de Rällinge parece confirmar tal ideia), e ritos com teor sexual são mencionados também por Saxo no templo do deus na Suécia.

 Outra coisa fala em favor dessa identificação: segundo Saxo, as vitimas sacrificadas para Freyr eram negras (furvis hostiis), enquanto o significado de "manchado" pode indicar que a imagem do deus era pintada ou regada a sangue que quando seco ficava escurecida.

FONTES:

A Latin-English Dictionary, William Smith

A Germania, Maria Cecília Albernaz Lins Silva de Andrade

Adam de Bremen - History of the Archbishops of Hamburg-Bremen, Francis J. Tschan

An Icelandic-English Dictionary, Richard Cleasby & M. A. Gudbrand Vigfusson

Dictionary of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Gods and Myths of Northern Europe, Hilda R. E. Davidson

Lokrur, Lóðurr and Late Evidence, Haukur Þorgeirsson

Saxo Grammaticus vol I & II - Gesta Danorum/The History of the Danes, Peter Fisher

Scandinavian Mythology, Hilda R. E. Davidson

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/%C3%96gmundar_%C3%BE%C3%A1ttr_dytts_ok_Gunnars_helmings

segunda-feira, 13 de março de 2023

Os Seres Primordiais da Cosmovisão Nórdica - Parte 2

 Neste post vamos continuar falando sobre os deuses primordiais, mas especialmente da trindade criadora: Odin, Vili e Ve (Óðinn, Vili e ), pois merecem um post só para eles.

Odin e seus animais, arte de Carl Emil Doepler de 1882.

 Odin, Vili e Ve são filhos de Bor (Borr/Burr) e Bestla e netos de Buri (Búri), segundo Snorri Sturluson na sua Edda em Prosa. Alguns fragmentos da poesia dos escaldos também confirmam essa genealogia. O trio é da terceira geração divina. Odin é o primeiro da tríade, Vili o segundo e Ve o terceiro. Os três sempre são citados juntos na criação ou viajando juntos, e Vili aparece com o nome de Hœnir e Ve com o nome de Lodur (Lóðurr) no poema Völuspá.

 Odin e seus irmãos mataram Ymir (Ýmir) e usaram o corpo do gigante para criar o céu (do crânio), as nuvens (do cérebro), a Terra (Jörð, da carne), o mar (do sangue), as montanhas (dos ossos), as pedras (dos dentes), as árvores e plantas (dos cabelos) e Midgard (Miðgarðr) de suas sobrancelhas. Praticamente nada se sabe sobre a juventude do trio ou como eles mataram Ymir, mas segundo Eysteinn Björnsson, a trindade parece ter matado o gigante cortando sua garganta. Isso aparece evidenciado através de metáforas da poesia viking no poema Þórsdrápa. Thor (Þórr) tentava atravessar o rio Vimur para ir até o gigante Geirrod (Geirröðr), até sua filha Gjalp (Gjálp) mijar no rio fazendo-o subir, então, o deus ameaçou aumentar seu poder até alcançar o céu caso o rio não diminuísse. O rio em questão é referido como "jorro de sangue do pescoço de Þorn" (snerriblóð svíra Þorns), e como sabemos, os rios e mares foram criados pelo trio de irmãos a partir do sangue de Ymir. E Þorn ("Espinho") é uma denominação de Ymir. Com isso, podemos entender que Ymir foi degolado pelo trio divino de irmãos.

 Odin se tornou o rei dos deuses, e passou a viajar pelo mundo sozinho ou acompanhado de seus irmãos, sempre procurando e testando sua sabedoria. Odin mesmo se gaba de ser o "testador dos Deuses" o que indica que ele sabe os possíveis resultados esperados antes mesmo dos acontecimentos (Vafþrúðnismál: "Muito eu tenho testado, eu testei muito os regin (deuses)"/fjölð ek freistaða, fjölð ek reynda regin). Podemos, então, entender Odin como o profeta, o mensageiro e o professor dos deuses. Odin também é o senhor das charadas e dos enigmas.

 Odin tinha conseguido sua grande sabedoria, clarividência e alta inteligência por vários meios:

1) Ele se apoderou do Hidromel dos Poetas fabricado do sangue de Kvasir que podia dar inspiração e intelecto a quem dele bebesse.

2) Após ter sacrificado um dos olhos na fonte de Mimir, Odin se tornou mais sábio e foi capaz de entender coisas ocultas e além.

3) Ele se auto sacrificou em Yggdrasil se oferecendo a si mesmo, com isso foi capaz de entender os segredos das runas.

4) Ele possuía o alto trono em Asgard (Ásgarðr) chamado Hliðskjalf (Hliðskjálf) de onde ele podia enxergar todos os mundos.

 Odin ainda contava com os bons conselhos da sua esposa Frigg e as noticias trazidas pelos seus corvos Hugin e Munin (Huginn e Muninn). O nome "Odin" significa "Frenesi/Fúria", no sentido de estar possuído, inspirado, em êxtase, em transe. Dessa forma, Odin é a força motora que move todas as coisas, dá impulso, agitação. Num sentido mais amplo, ele desenvolve a espiritualidade e o intelecto interna dos seres. Na antiguidade xamãs e também sacerdotes entravam em transe para se comunicar com o divino.

 Sobre Vili e Ve quase nada se sabe, mas eles assumiram Asgard por um tempo e cuidaram de Frigg, quando Odin se ausentou do trono por um longo período. Quando Odin retornou eles devolveram tudo ao irmão. Eles ajudaram o irmão mais velho na criação do mundo e dos homens como já foi dito. Vili significa "Desejo" e Ve significa "Sagrado".

 Vili como Hœnir já possuí mais informações: ele era calado, neutro e foi enviado ao Vanir junto com Mimir depois que os deuses fizeram as pazes após longas guerras e trocaram reféns. Ao que parece ele foi devolvido junto com a cabeça de Mimir (que foi decapitado), porque ele aparece como companheiro de viagem de Odin em algumas aventuras. Hœnir possuí o significado do nome incerto, mas geralmente é associado a aves como galo (do islandês hæns), cisne (com relação a balada das ilhas Faroé onde este deus é associado a esta ave, do grego arcaico κύκνος "cisne", e do sânscrito शोचति "brilho") e cegonha (justamente porque na balada das ilhas Faroé este deus colocou uma criança num local de penas de cisne, e possivelmente relacionado a tradição dos bebês serem entregues por cegonhas). Odin é acompanhado de corvos e um de seus nomes é "Hrafnáss" que significa "Deus dos Corvos", então, faz sentido Hœnir ser associado aos cisnes ou cegonhas O corvo é associado a morte e o cisne e/ou a cegonha com a vida.

 Ve como Lodur também possuí mais informações, porém complexas. Lodur é identificado com Loki em duas obras tardias Lokrur e Þrymlur, datadas do século 14 e 15 respectivamente (mas, de material provavelmente mais antigo já que no Norte era costume passar as coisas oralmente e desse modo pode ter sido registrado nesse período). Lodur, então, é visto como outro nome de Loki. Lodur aparece como companheiro de viagem de Odin e Hœnir, e Loki também. Aqui temos algo interessante: Lodur ajudou na criação dos homens, então em algum momento ele se corrompeu, e já assumindo o nome Loki passou a tentar a destruir o que ajudou a criar. Loki é dito ter comido o coração de uma giganta parcialmente assado e isso mudou seu temperamento. Os gigantes são destrutivos e caóticos (embora nem todos). Mas, não para por ai, Lodur/Ve é filho de Bor e Bestla, enquanto Loki é descrito como filho de Farbauti (Fárbauti) e Laufey. Loki é dito ter feito pacto de sangue com Odin no início dos tempos, então, o significado do nome Ve, ou seja, "Sagrado" pode ser uma alusão a isso, pois pactos e juramentos era algo sagrado e levado muito a sério pelos povos germânicos. Podemos deduzir que no momento que Loki comeu o coração da giganta, ele passou a ser visto como filho de gigantes (a família da giganta passou a ser seus pais?), o que deu origem a sua dupla genealogia. Pra complicar Odin possuí o nome "Tveggi" que significa "Gêmeo/Duplo", o que parece confirmar que ele e Vili/Hœnir eram irmãos, deixando Lodur/Loki de fora, ou talvez, no momento de sua queda, seus irmãos o renegaram na família, mas o manteriam por perto por causa do juramento sagrado (Ve). Lodur e Loki são de significado incerto e possui múltiplas possíveis interpretações.

 Algo interessante merece ser mencionado: Odin deu a vida e o espírito ao primeiro par humano, Ask e Embla, Vili/Hœnir deu o entendimento e o poder de se mover, e Ve/Lodur/Loki deu o sangue, os sentidos e a aparência. Desse modo, o espírito é divino e a mais alta consciência e ligado ao criador, o entendimento é nosso ego individual, enquanto o corpo é mortal e instintivo. Claramente simbolizando o que o humano pode escolher com seu ego (dom de Hœnir) entre a espiritualidade (dom de Odin) ou instintos primitivos (dom de Loki). Além disso, Loki passou a tentar a destruir a criação, sabotando os deuses sempre que podia. Assim: Odin cria, Hœnir preserva se mantendo neutro e Loki destrói. Então, podemos ver que o lado maléfico dos homens está ligado diretamente ao dom de Lodur/Loki que age por instinto, sem pensar nas consequências do ato tal como a própria divindade. Lembrando que na cosmovisão Nórdica não existe Satã (a ideia de um mal absoluto), porque toda a criação é uma mistura de energias positivas e negativas. Na ordem (os deuses) existe o caos (Loki) e no caos (gigantes) existe a ordem (Thor), com isso é mantido o equilíbrio. Na cosmovisão Nórdica tudo é tríade: vida, morte e renascimento; criação, preservação e destruição; passado, presente e futuro (personificado em: Urðr, Verðandi e Skuld); noite, dia e amanhecer (personificado em: Nótt, Dagr e Dellingr); céu, terra e mundo dos mortos (cada esfera é dividida em 3, ou seja, 3 x 3 = 9 mundos); as três raízes de Yggdrasill, os deuses são regidos por Odin, Thor e Freyr; as classes sociais eram 3 (Jarl, Karl e Þrall); etc.

 Há um ditado viking que diz que: "tudo acontece em três" (Grettis Saga: at þrisvar hefir all orðit forðum), por mais que o número 3 seja sagrado, ele é carregado de energia negativa, pois nas runas simboliza "Þ" (*Þurisaz/Þorn/Þurs) que representa os gigantes em geral. O três é finalização. Mas, num nome divino ou mortal, o "Þ" depende da combinação, pois nem sempre é negativo (isso ficará para um post futuro).

 

FONTES:

A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)

Dictionary of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Edda, Anthony Faulkes

Lokrur, Lóðurr and late evidence, Haukur Þorgeirsson

The Poetic  Edda, Lee M. Hollander

SITES:

https://sagadb.org/grettis_saga.is

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar 

https://heimskringla.no/wiki/Lokka_t%C3%A1ttur

https://heimskringla.no/wiki/Lokrur_I-IV

https://heimskringla.no/wiki/%C3%9Erymlur

https://heimskringla.no/wiki/Ynglinga_saga  

https://web.archive.org/web/20151228024633/https://notendur.hi.is/eybjorn/ugm/thorsd00.html  

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