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quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Quem foi o primeiro ser a existir? Surtr ou Ymir?

 Olá pessoal, este post será dedicado exclusivamente à Surtr e Ymir. Muito é conhecido da criação da cosmovisão Nórdica, porém, poucos se atentam para algo que é, as vezes, mal interpretado. Afinal, quem veio primeiro? Surtr ou Ymir? Fotos de Internet.
 Vamos por partes: Surtr é o gigante de fogo guardião de Muspelheim (Múspellsheimr) e Ymir é o gigante de gelo. Segundo as fontes que possuímos, o mundo de fogo, Muspelheim, surgiu primeiro e depois surgiu o mundo de gelo, Niflheim (Niflheimr). O mundo de fogo ficava ao sul e o de gelo ao norte.
 Quando Snorri descreveu a criação, ele citou o mundo de fogo como surgido primeiro e, então, ele descreveu o seu guardião, Surtr, com sua espada flamejante. Depois, continuando a narrativa, ele descreveu o surgimento de Ymir.

Ymir, Buri e Audhumbla.

 Mas, o que as fontes falam sobre isso? Vamos ver:
 No Gylfaginning, Gangleri (Gylfi disfarçado) perguntou ao trio Hár, Jafnhár e Thridi (Hárr, Jafnhárr ok Þriði) em Asgard quem era o ser mais velho e eles responderam que era o Alföðr (Odin, Sá heitir Alföðr at váru máli. En í Ásgarði hefir hann tólfi nöfn: Alföðr, Herjann, Nikaðr, Nikuðr, Fjölnir, Óski, Ómi, Riflindi, Sviðurr, Sviðrir, Viðrir, Sálkr). Mas isso tem explicação: depois da morte de Ymir e o dilúvio causado por seu sangue que matou todos os gigantes (exceto Bergelmir e sua esposa), Odin se tornou o ser mais antigo existente (vivo). Odin é o primeiro filho de Borr e Bestla.
 No questionamento de Gangleri, o trio também informou que Ymir é o primeiro ser vivente.
 Nos poemas da Edda Poética, Ymir também é descrito como primeiro ser.
 Na genealogia Norueguesa, Fornjótr aparece como mais antigo ser e seu nome parece significar algo como "Primeiro Gigante", e dele surgiu os clãs dos gigantes marinhos, gigantes das montanhas e gigantes do fogo. Nesta versão, os personagens são evemerizados, ou seja, transformados em seres humanos que foram divinizados. Note que aqui Fornjót é pai dos 3 clãs de gigantes elementais.
 No 1° século da nossa era, Tácito mencionou que os germanos contavam que eram descendentes do deus Tuisto, filho da terra. Tuisto significa algo como "Duplo" ou "Gêmeo" que bate diretamente com o significado de Ymir. Tuisto foi ancestral de 3 seres e Ymir também (um casal saídos do braço esquerdo e um filho monstruoso das pernas). Nas fontes nórdicas, Fornjótr é pai de Hlér ou Ægir, e nos kenningar (metáforas) o oceano, que é Ægir, é chamado de "sangue de Ymir" indicando descendência, o que reforça essa identificação. Alguns estudiosos até aceitam essa identificação (Tuisto/Ymir), embora não seja unânime.
 Então aqui temos 4 fontes de períodos diferentes que colocam Ymir como o ser primordial, o primeiro a surgir (Gylfaginning da Edda em Prosa, Vafþrúðnismál da Edda Poética, Hversu Noregr byggðist, e Germania de Tácito).
 Então, por que Surtr é visto como anterior a Ymir por muitos, inclusive alguns acadêmicos? A resposta pode ser simples: interpretação. Quando Snorri narrava sobre o primeiro mundo de fogo e comentou sobre Surtr, as pessoas entendem que ele deve ter vindo primeiro, ignorando todo o resto. Snorri fez isso apenas pra mencionar o gigante de fogo numa mesma estrofe ao invés de ter que fazer outra, já que ele falava do mundo de fogo. Sacou? 
 Surtr provavelmente é uma figura nativa da religião Escandinava, mas sua imagem lembra muito o anjo com espada de fogo guardião do paraíso da Bíblia (algo já percebido e mencionado por pesquisadores da área). A religião cristã veio do Sul até o Norte e Surtr é relacionado a essa direção. Surtr significa "Negro" de fuligem de fogo e/ou vulcão, porém pode ser uma referência a pessoa de pele escura, o que torna tudo mais misterioso e suspeito. E não acaba por aí, no manuscrito da Edda de Uppsala (um dos 4 manuscritos mais antigos e conhecidos), Surtr é dito estar no palácio Gimlé após o Ragnarok recebendo os justos (Bezt er at vera á Gimlé meðr Surti, ok gott er til drykkjar í Brimlé eða þar sem heitir Sindri. Þar byggja góðir menn). O problema é que no início do Gylfaginning é dito que o Alföðr (Odin) viverá com os justos no Gimlé (Þó allir búa með honum réttsiðaðir þar sem heitir Gimlé). Um escaldo que foi convertido ao cristianismo mencionou que Jesus estará na fonte de Urd (Urðr, após o Ragnarök) que fica no sul, que é a localização de Muspelheim. Será que Surtr é a representação cristã de um anjo ou de Jesus inserido nos mitos com roupagem nórdica? Pessoas do oriente médio possuem pele escura. Surtr é inimigo especialmente de Freyr (cujo nome significa "Senhor") e isso lembra o YHWH de Israel e sua luta contra Baal (que também significa "Senhor") no antigo testamento. Freyr é o mais pacífico dos deuses, gentil, sábio, e querido pelos deuses e homens (mencionado no Lokasenna). A luta de Freyr e Surtr pode simbolizar a luz versus as trevas.

Surtr por John Charles Dollman (1909).

 É claro que isso pode ser uma grande coincidência, mas é interessante. Surtr é inimigo de Freyr e dos deuses, e segundo as Eddas, ele trará o fogo consumidor de mundos, porém no poema Þrymlur (século 15), o gigante de fogo é morto por Thor durante a recuperação do martelo roubado por Thrym (Þrymr). O poema Bergbúa Þáttr também parece confirmar a inimizade entre Thor e Surtr. Vale lembrar que na Edda em Prosa é dito que Thor é o mais poderoso dos seres, não importa quanto um gigante seja poderoso, o deus do trovão sempre irá prevalecer (En þótt svá hafi verit, at nökkurr hlutr hafi svá verit rammr eða sterkr, at Þórr hafi eigi sigr fengit á unnit, þá er eigi skylt at segja frá, fyrir því at mörg dæmi eru til þess ok því eru allir skyldir at trúa, at Þórr er máttkastr).
 Com base (apoiado nas fontes) é seguro dizer que Ymir é o primeiro dos seres, e que Surtr provavelmente descende de Logi/Eldr (o Fogo) ou surgiu de outra forma depois de Ymir.


FONTES:
An Icelandic-English Dictionary, Richard Cleasby & M. A. Gudbrand Vigfusson

Dictionary of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Edda, Anthony Faulkes

Myth and Religion of the North: The Religion of Ancient Scandinavia, E. O. G. Turville-Petre

Norse Mythology, a Guide to the Gods, Heroes, Rituals, and Beliefs, John Lindow

Saxo Grammaticus: The History of the Danes, Oliver Elton 

Scandinavian Mythology, Hilda R. E. Davidson
 
The Poetic Edda, Carolyne Larrington

SITES CONSULTADOS:




segunda-feira, 27 de março de 2023

Os deuses Vanir, seus descendentes e relacionados

 Pouco é contado sobre os deuses Vanir nas antigas fontes escritas em comparação aos Æsir, isso provavelmente por causa do teor sexual e feminino de seus cultos. Quem compilou quase todo o material da cosmovisão nórdica pré-cristã foram pessoas convertidas ao cristianismo e após o período pagão, e eles podem ter suprimido e censurado os contos e/ou práticas do Vanir.

Trio Vanir: Njord (Njörðr), Freyr e Freyja, arte tirada da internet.

 Mas, vamos ao que interessa, provavelmente vocês conhecem o trio mais famoso dos Vanir: Njord e seus filhos Freyr e Freyja que foram enviados aos Æsir como reféns e se tornaram uns dos seus principais deuses, mas existem outros membros dessa família citados nas fontes antigas:

Yngvi era filho de Odin (Óðinn) e pai de Njord, não confunda com o Yngvi-Freyr que é filho deste último, pois são duas divindades distintas. Yngvi é descrito como rei da Turquia (Tyrkjakonungr), mas ele foi evemerizado o que torna difícil de traçar conjecturas (teoria de que deuses antigos eram mortais divinizados). Desse modo, ele aparentemente foi o primeiro Vanir. Segundo se conta, as famílias suecas reais de Uppsala provem dele e de Freyr (seu neto), por isso eles são chamados de Ynglingar

Gullveig foi a causa da guerra Æsir-Vanir, ela foi até Asgard (Ásgarðr), mas foi queimada e espetada por lanças três vezes, mas renasceu. Ao que tudo indica, ela foi tratada assim por causa de suas habilidades com a magia (ela é praticante de seiðr, prática comum entre os Vanir) e também por causa do ouro (ela é associada a corrupção). Alguns pesquisadores identificam Gullveig com Freyja por causa de algumas similaridades: ambas gostam de ouro, ambas são praticantes de seiðr, e ambas são ditas ter ensinado seiðr para o Æsir (é o que a estrofe da Völuspá dá a entender sobre Gullveig). É difícil saber ao certo, mas é provável que Gullveig fosse uma mensageira dos Vanir e não a própria Freyja, porém, Snorri mencionou que a irmã de Freyr chegou a andar por terras distantes com nomes diferentes. Depois que renasceu, Gullveig passou a ser chamada de Heiðr.

As 9 filhas de Njord (Njarðar dœtr níu) são citadas como um grupo de deusas que riscavam runas no poema Sólarljóð, mas apenas dois nomes foram registrados: a mais velha delas é Ráðveig ou Böðveig e a mais nova entre elas é Kreppvör.

Njord e sua irmã (Njarðar ok systur hans) é uma deusa mencionada como companheira de Njord entre os Vanir, mas ele a deixou quando foi levado a Asgard como refém. O nome dela não é recordado nas antigas fontes, mas é possível que ela seja Nerthus, a deusa germânica citada por Tácito no 1º século, devido a similaridade dos nomes Njord-Nerthus (indicando um par tal como Freyr e Freyja), a associação deles com a água e com a carruagem. Na Ynglinga Saga é narrado que entre o Vanir era comum casamento e/ou relações sexuais entre parentes.   

Kvasir aparece como membro do Vanir na Ynglinga Saga, mas na Edda em Prosa ele foi criado pelas duas tribos divinas: Æsir e Vanir, que cuspiram numa vasilha e ele veio a vida. Ele era o mais sábio dos deuses, dotado de grande intelecto e podia responder qualquer coisa. Ele foi morto por anões, que fabricaram o Hidromel dos Poetas. Ele andou pela Terra ensinando sabedoria para os homens antes de ser assassinado.     

Hnoss e Gersemi eram as belíssimas filhas de Óðr e Freyja. Óðr pode ser Óðinn (a etimologia do nome é relatado) ou talvez outro personagem. Óðr deixou Freyja, mas a deusa o procurou pelo mundo.   

Fjölnir era filho de Freyr e Gerd (Gerðr) e ele governou a Suécia. Ele tinha poder sobre as estações e colheitas, que é herança do Vanir. Ele foi evemerizado. Pertence a família Ynglingar, que são descendentes de Freyr ou Yngvi Freyr.

Svegðir filho de Fjölnir e neto de Freyr. Ele foi evemerizado. Pertence a família Ynglingar, que são descendentes de Freyr ou Yngvi Freyr.

Vana era esposa de Svegðir e ela é uma deusa que habitava no Vanaheim. Svegðir foi até a terra do Vanir para se casar com ela.

Vanlandi era filho de Svegðir e Vana. Ele foi evemerizado. Pertence a família Ynglingar, que são descendentes de Freyr ou Yngvi Freyr.

Visbur (Vísburr) era filho de Vanlandi e Drifa. Ele foi evemerizado. Pertence a família Ynglingar, que são descendentes de Freyr ou Yngvi Freyr.

 Depois, outros continuaram a linhagem real e eram associados aos Ynglingar: Dómaldi (filho de Visbur), Dómarr (filho de Dómaldi), Dyggvi (filho de Dómarr), Dagr (filho de Dyggvi), Agni (filho de Dagr), Alrekr e Eiríkr (filhos de Agni), Yngvi e Álfr (filhos de Alrekr), Hugleikr (filho de Álfr), Jörundr (filho filho de Yngvi), Aun (filho de Jörundr), Egill Tunnudólgi (filho de Aun), Óttarr (filho de Egill), Aðils (filho de Óttarr), Eysteinn (filho de Aðils), Yngvarr (filho de Eysteinn), Önundr (filho de Yngvarr), Ingjaldr (filho de Önundr, e o último dos reis suecos Ynglingar, ele foi conquistado pelo rei da Escânia Ivar Vidfamne, mudando assim a linhagem real).  

 As dinastias reais germânicas eram relacionadas a Odin, Freyr e Heimdall (Heimdallr), e seus descendentes possuíam algum poder divino, mas eles são mais ou menos semideuses, no caso dos Ynglingar, eles possuíam poder sobre o bom tempo, estações e colheita. Linhagem real divina era algo comum na antiguidade, pois vários reis e governantes eram considerados filhos ou escolhidos dos deuses. As dinastias reais relacionadas a Odin eram guerreiras, conquistadoras e forjadoras de império, enquanto as dinastias reais relacionadas a Freyr eram voltadas para práticas sexuais, algumas ligadas a homossexualidade e divinação (os descendentes de Freyr praticavam cultos que eram considerados efeminados por um guerreiro que era devoto de Odin). A linhagem real de Freyr também era voltada para abundância e prosperidade. Por isso, eu creio, que os copistas cristãos (que registravam os textos) preferiu não registrar a cultura ligada ao Vanir, salvo alguma coisa aqui e ali, que eram necessárias a contextualização de um determinado tema. O culto Vanir era extremamente feminino onde profetisas (Völur no plural e Völva no singular) saiam pelas cidades com cortejo de mulheres e até homens. Muitas eram temidas e veneradas. Os homens que praticavam magia Vanir (seiðr) eram vistos como efeminados, mas eram temidos.

 Um adendo: não devemos nunca generalizar as coisas: pois Odin aprendeu seiðr com Freyja, e havia guerreiros dedicados ao Vanir que usavam o símbolo do javali como proteção nas batalhas. Com isso, podemos entender que após a guerra Æsir-Vanir, as duas principais tribos divinas trocaram conhecimentos e habilidades, fortalecendo ainda mais seus poderes e entendimentos.

  

FONTES:

A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)

Gods and Myths of Northern Europe, Hilda R. E. Davidson

Heimskringla: History of the Kings of Norway, Snorri Sturluson trad. Lee M. Hollander

Saxo Grammaticus Gesta Danorum: The History of the Danes Volume I & Volume II, trad. Peter Fisher

Scandinavian Mythology, Hilda R. E. Davidson

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

http://etext.old.no/Bugge/solar.html

http://www.heimskringla.no/wiki/%C3%8Dslendingab%C3%B3k

http://www.heimskringla.no/wiki/S%C3%B3larlj%C3%B3%C3%B0

https://heimskringla.no/wiki/Ynglinga_saga

https://www.sacred-texts.com/cla/tac/g01040.htm

A substância criadora "eitr"

 Na cosmogonia nórdica, a substância " eitr " ("veneno") desencadeia um papel importante na criação: o nascimento de Ymi...

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