domingo, 30 de abril de 2023

As origens e a juventude de Thor

 Segundo Snorri Sturluson, Thor (Þórr) é o primeiro filho (fyrsta soninn) de Odin (Óðinn) e Jord (Jörð), e por causa dessa combinação de poderes, ele é o mais poderoso e o mais forte dos deuses. Thor é imbuído de poder e força e por isso ele podia vencer todas as criaturas (Honum fylgði afl ok sterkleikr. Þar af sigrar hann öll kvikvendi).

Thor levantando o gato de Utgard-Loki (Útgarðr-Loki), arte de Katharine Pyle tirada da internet.

 Pouco se sabe sobre a juventude de Thor, mas o prólogo da Edda em Prosa nos dá algumas informações a respeito disso. Porém, devo lembra-los que este relato foi evemerizado (teoria de que os deuses antigos eram heróis do passado divinizados), e contém material que não fazia parte originalmente da tradição pagã nórdica. O prólogo, que é considerado uma adição tardia a Edda em Prosa (lembrando que esses textos foram coletados após a era pagã nórdica), nos fala que Thor era descendente da filha do rei de Tróia, Príamo, que era chamada Tróan e do rei Menon. Na idade média era comum os europeus acharem que descendiam de Troianos, mas isso não fazia parte da fé pagã nórdica, embora haja conexão do panteão nórdico com o panteão das tradições indo-europeias. Afinal, a região habitada dos indo-europeus estava próxima de vários povos como os Hititas (que são considerados de origem indo-europeia), Acádia, e outros. Como podemos ver essa "origem" de Thor é muito contestada. Num dos manuscritos da Edda em Prosa Thor é identificado com Júpiter e com Heitor (o herói de Tróia por causa da similaridade do nome, embora de etimologia diferente). É possível que o culto de Thor tenha vindo da estepe pôntica na Europa oriental ou Ásia menor (Hipótese Curgã) até a Escandinávia e isso explicaria esse relato do prólogo, mas como ele foi evemerizado, então, é incerto.

 Mas, voltando ao assunto, o prólogo ainda narra que Thor foi criado por Loríkús e Lóra ou Glóra. No Skáldskaparmál é dito que Thor foi criado por Vingnir e este último está na lista de gigantes no Nafnaþulur. Então, podemos deduzir que esse casal eram gigantes. Thor também é conhecido por esse nome (Vingnir), o que nos leva a crer que foi em lembrança ao pai adotivo que ele ganhou essa denominação. Com 10 anos Thor recebeu as armas de seu pai, mas não clarifica quais eram (dificilmente é o martelo aqui, porque esta arma foi dádiva de Brokkr e Sindri/Eitri, contudo nas fontes são citados uma clava e um cetro como instrumento na mão do deus). Thor é descrito como belo e muito destacado por sua aparência divina. Com 12 anos Thor atingiu a plenitude de sua força prodigiosa, depois ele matou seus pais adotivos e tomou posse do reino de Thrudheim (Þrúðheimr) que é identificado como sendo a Trácia (evemerização lembram?). Após isso, Thor andou pelo mundo vencendo e matando berserkers, gigantes, muitos animais selvagens e o maior dos dragões (Þá fór hann víða um lönd ok kannaði allar heimshálfur ok sigraði einn saman alla berserki ok alla risa ok einn inn mesta dreka ok mörg dýr). O maior dos dragões é uma referência a Serpente Midgard (Miðgarðsormr). Na região norte do Mundo, Thor conheceu Sif e se casou com ela. O prólogo identifica Sif com Sibila. O interessante aqui é que Thor matou a serpente e saiu ileso para se casar (isso ficará para outro post). Thor é canonicamente filho de Odin e isso aparece em várias fontes antigas, mas praticamente nada se sabe sobre sua criação pelo gigante Vingnir. Na Völuspá (e Gylfaginning) é mencionado, que após a criação, a trindade criadora voltava para a casa quando encontrou árvores a beira mar e criou o par humano, então, é possível que Thor foi criado por gigantes neste período, pois os gigantes estavam repovoando a espécie em Jotunheim (Jötunheimr) logo após o dilúvio. O trio criador andava pela Terra quando gerou divindades, seres semidivinos e humanos e depois foram para o lar dos deuses recém criado.

 O número 10 nas runas do Antigo Fuþark corresponde a *Nauthiz e representa aquilo que é necessário, o que é preciso, e está associado ao destino, já o número 12 representa a *Jera que é o ano, o ciclo, e a colheita. Então, Thor como o protetor dos deuses e homens, é o agente do destino, que traz o fim as forças contrárias a criação representados pelos gigantes. Podemos entender que Thor foi destinado a trazer fim aos gigantes ao mesmo tempo que mantém as colheitas com suas tempestades.

 

FONTES:

A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)

Dictionary of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Edda, Anthony Faulkes

History of the Archbishops of Hamburg-Bremen, Adam of Bremen trad. Francis J. Tschan

Myth and Religion of the North: The Religion of Ancient Scandinavia, E. O. G. Turville-Petre

Saxo Grammaticus Gesta Danorum: The History of the Danes Volume I, trad. Peter Fisher

Scandinavian Mythology, Hilda R. E. Davidson

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

https://heimskringla.no/wiki/Ynglinga_saga

sábado, 22 de abril de 2023

As origens de Jord

 Nos registros coletados nas duas Eddas (Eddur) no século 13 d.C., a divindade Jord (Jörð, a Terra) tem duas origens. A Jord é conhecida por três coisas:

  1. É a Terra (o elemento terra) personificado.
  2. Foi esposa de Odin (Óðinn).
  3. É a mãe de Thor (Þórr).

Estátua de Jörð na Dinamarca de Stephan Sinding, foto de internet.

 Segundo Snorri, Jord era filha e esposa de Odin com quem gerou Thor (Jörðin var dóttir hans ok kona hans. Af henni gerði hann inn fyrsta soninn, en þat er Ása-Þórr). Nessa versão, Odin criou Jord da carne de Ymir (Ýmir). Nos Kenningar (metáforas da poesia escandinava) é dito que Odin deixou Jord e que ela era viúva de Odin. Este relato não é especificado em nenhum mito conhecido, mas é provável que seja uma referência ao fato de Odin ter se sacrificado na Yggdrasill e, então, renascido. Ou talvez porque Odin a deixou e não retornou, já que Frigg é a esposa oficial do deus supremo. Devemos entender que como Odin é o criador na cosmovisão nórdica, tudo feito por ele é considerado sua obra, sua criação, e nesse caso  a Terra é sua filha.

 A outra versão é mais complexa e/ou confusa, mas vamos por partes. A segunda versão da origem de Jord foi contada por Snorri também, provavelmente se apoiando no poema Sigrdrífumál ou em tradições antigas desconhecidas para nós.

 Snorri comentou na sua Edda que Jord era filha de Annar (Annarr ou Ónarr) e Nott (Nótt), e meia-irmã de Aud (Auðr) e Dag (Dagr). Nott, a personificação da Noite, era filha de Norfi (Nörfi) ou Narfi que era um gigante de Jotunheim (Jötunheimr). Praticamente nada se sabe sobre o pai de Nott. Porém, Snorri nos contou que Loki tinha um filho chamado de Nari ou Narfi com sua esposa Sigyn, que foi morto por Váli. Loki causou a morte de Balder e os deuses pagaram na mesma moeda, fazendo um dos seus matar o filho da malvada divindade. Nari ou Narfi foi despedaçado por Váli e suas entranhas serviram para aprisionar Loki. Se Norfi/Narfi for a mesma personagem que Nari/Narfi, então, Loki ajudou na criação tal como Lodur (Lóðurr) ao qual é identificado, segundo os poemas Lokrur e Þrymlur. Dificilmente Narfi (o pai de Nótt) é o Nari (o filho de Loki) aqui, porque os gigantes estavam exterminados durante a criação, pois só havia sobrado Bergelmir e sua esposa, mas é difícil saber ao certo já que os mitos possuem muitas versões e, as vezes, conflitantes. Tanto Norfi quanto Nott podem ser apenas personificação do escuro primordial. Vale lembrar que nas mitologias, algumas vezes, existem personagens como o mesmo nome (homônimos), mas são distintos como Tétis (a Titânida) e Tétis (a nereida mãe de Aquiles) dos gregos; Modi (Móði, filho de Thor) e Modi (um gigante morto por Thor), Agnar (Agnarr, filho de Hrauðungr) e Agnar (filho de Geirrod/Geirröðr), Geirrod (o gigante morto por Thor) e Geirrod (o favorito de Odin) dos escandinavos e etc. Os deuses e/ou divindades mais importantes não possuem homônimos, apenas as divindades menores. 

 Annar apareceu como o nome de um anão nos relatos nórdicos, e isso é contraditório, já que os anões nasceram da carne de Ymir (Jord, a Terra), o que torna isso extremamente dificultoso. Porém, Annar pode ser uma outra denominação para Odin, confirmando assim a primeira versão citada acima, porque o filho de Borr é chamado de Hárr ou o "Altíssimo" (indicando a 1º posição) e Þriði ou o "Terceiro" e Annar significa "Segundo". Odin apareceu sob três formas para Gangleri e duas destas denominações aparecem no poema Grímnismál. É muito possível que Annar seja outro nome de Odin, o que uniria as duas versões para as origens de Jord. Com isso, Jord é filha e esposa de Odin, e mãe-irmã de Thor.


FONTES:

A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)

Dictionary of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Edda, Anthony Faulkes

Lokrur, Lóðurr and late evidence, Haukur Þorgeirsson

The Poetic Edda, Carolyne Larrington

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

sexta-feira, 14 de abril de 2023

O parentesco entre os seres na criação

 Como dito no post anterior, as Nornes (Nornir) governam os destinos porque elas surgiram do sangue de Ymir. Contudo, os seres na criação são todos aparentados de uma forma ou outra.

Os deuses nórdicos na ponte do arco-íris, arte de W. G. Collingwood de 1908: Freyr e Freyja, Njord (Njörðr) e Skadi (Skaði), Tyr (Týr), Thor (Þórr), Balder e Nanna, Odin (Óðinn) e Frigg.

 No início, existiam Ymir (Ýmir) com seus descendentes e a família de Búri, num local antes da existência humana. Quando o trio criador Odin, Vili e Ve (Vili e ) mataram Ymir, eles usaram a carcaça do colossal gigante para criar parte do universo: o céu (himinn) de seu crânio, a Terra (Jörð) de sua carne, os mares (sær) de seu sangue, as montanhas (björg) de seus ossos, as pedras (grjót) de seus dentes, as árvores (baðmr) de seus cabelos, e as nuvens (ský) de seu cérebro.

 Assim que a Terra foi criada, Odin se uniu a ela e gerou o seu primogênito: Thor, que é o mais forte dos deuses, homens e gigantes, porque ele possui o poder e força de seus pais Odin (personificação do céu) e Jord (Terra) combinados. Thor é uma mistura de poder espiritual (através de Odin) e físico (através de Jord), personificado pelo relâmpago, o raio, e o trovão. Os elfos (álfar) e anões (dvergar) surgiram como larvas na carne de Ymir (Ýmis hold que é um termo para Terra) e eles ganharam forma humana e intelecto do trio criador. Os homens (menn) foram criados de duas árvores a beira mar, que foram fabricados a partir dos cabelos de Ymir. Os filhos de Odin possuem mães gigantas como no caso de Vidar (Víðarr) e Vali (Váli). Vidar é filho de Grid (Gríðr) que vive em Jotunheim (Jötunheimr). A região de Jotunheim foi dado aos gigantes depois da criação pelo trio criador. A mãe de Vali, Rind (Rindr), é associada ao leste, que é a direção da região dos gigantes, na obra de Saxo ela foi evemerizada (teoria de que os deuses eram mortais famosos do passado que foram divinizados). Os outros filhos de Odin nasceram depois da criação (já que o Thor é seu primogênito). 

 O mar (sær) é um dos nomes de Ægir na poesia dos escaldos, ele é o senhor do mar, então, provavelmente ele surgiu do sangue de Ymir depois que o gigante foi morto e desmembrado. O próprio Ægir é chamado de "Sangue de Ymir" (Ýmis blóð) no Skáldskaparmál. A genealogia do Hversu Noregr Byggðis parece corroborar esta ideia (embora a obra é evemerizada), pois Hlér que é um dos nomes de Ægir, é filho de Fornjótr, cujo significado deste último pode ser "O Primeiro Gigante". Hlér tinha por irmãos Logi ("Fogo") e Kári ("Vento"). Como Ægir/Sær/Hlér é o mar e nasceu do sangue de Ymir, então, é possível que Logi/Eldr e Kári/Vindr também surgiram da mesma maneira. Provavelmente Logi nasceu do calor corporal interno de Ymir antes de esfriar, e Kári do último suspiro do gigante morto. Ægir é um gigante marinho, Logi um gigante de fogo e Kári um gigante da tempestade. Provavelmente os filhos de Fornjótr deram origem aos demais gigantes elementais após o dilúvio, tal como Bergelmir e sua esposa (no sentido de propagar a espécie).

 Interessante que na Índia existe um relato similar, onde os deuses e componentes do universo surgiram do corpo do gigante morto Purusha. Do umbigo de Purusha veio a atmosfera, de sua cabeça foi feito o Céu (Dyaus), e de seus pés a Terra (Bhumi, outro nome de Prithvi). O hino védico ainda conta mais: a Lua (Chandra) foi feito da mente de Purusha, o Sol (Surya) de seu olho, Indra (Tempestade, raio) e Agni (Fogo) nasceram de sua boca e e o Vento (Vayu) de seu alento. Das partes do corpo de Purusha veio também as classes sociais humanas.

 Como podemos notar, os deuses, os anões, os gigantes, as Nornas, os elfos e até a humanidade, segundo os nórdicos, são todos aparentados, por um lado através do trio criador e por outro lado através de Ymir cujo corpo serviu para outros seres surgirem de uma forma ou de outra. Talvez por isso os escandinavos pagãos respeitavam tanto a natureza. Segundo Tácito, os germânicos não costumavam representar os deuses com feições humanas porque isso era contrário a majestade divina, mas eles consagravam bosques, florestas e riachos aos quais davam nomes divinos. Claro que não podemos generalizar, até porque já foram encontradas imagens de deuses em território germânico e escandinavo. Por isso, Odin é chamado de "Pai de Tudo (Alföðr)", pois a ação deste deus deu início a todas as coisas, claro que com alguma ajuda de seus irmãos.


FONTES:

Gods and Myths of Northern Europe, Hilda R. E. Davidson

Myth and Religion of the North: The Religion of Ancient Scandinavia, E. O. G. Turville-Petre

Myths and Symbols in Pagan Europe: Early Scandinavian and Celtic Religions, Hilda R. E. Davidson

Purusha Sukta, Introdução e tradução para o português por Roberto de A. Martins 

Saxo Grammaticus Gesta Danorum: The History of the Danes Volume I, trad. Peter Fisher

Scandinavian Mythology, Hilda R. E. Davidson

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

https://heimskringla.no/wiki/Hversu_Noregr_bygg%C3%B0ist

https://sourcebooks.fordham.edu/source/tacitus1.asp

terça-feira, 4 de abril de 2023

O dilúvio nórdico

 Relatos sobre um dilúvio universal devastador ocorre em praticamente todas as civilizações antigas: Mesopotâmia, Grécia, Índia, Hebreus, etc... A lista de povos é enorme, mas ficarei por aqui pra não sair do foco.

A morte de Ymir (Ýmir) nas mãos dos filhos de Borr, arte de Lorenz Frølich.

 A narrativa do dilúvio nórdico citado brevemente nas duas Eddas (Eddur) é diferente dos demais povos em alguns pontos, o que torna tudo ainda mais interessante, veja:

  • O evento ocorreu antes da criação de Midgard (Miðgarðr, o planeta Terra), enquanto noutras civilizações o cataclismo ocorreu na Terra já formada.
  • O transporte usado pelos sobreviventes no dilúvio nórdico é incerto, enquanto noutras civilizações na maioria das vezes é um barco (mas, também existem variações).
  • Apenas Bergelmir e sua esposa estavam a bordo do objeto que os salvou do dilúvio, pois não existiam animais e homens ainda, enquanto noutras narrativas pelo mundo a maioria das vezes é citado animais e filhos do casal sobrevivente, mas as versões também variam.

 O dilúvio nórdico aconteceu devido o assassinato de Ymir pelas mãos dos filhos de Borr: Odin, Vili e Ve (Óðinn, Vili e ). O sangue jorrado do colossal primeiro ser inundou a região primordial do Ginnungagap, matando todos os gigantes (Hrimþursar), exceto Bergelmir e sua esposa. Bergelmir, era filho de Thrudgelmir (Þrúðgelmir) e neto de Ymir. O Ginnungagap era um local cheio de gelo grosso e espesso, mas com água derretida também, o gelo duro era como solo firme, os seres primordiais viviam neste local. Não há detalhes de como Bergelmir conseguiu se salvar, se ele teve ajuda de algum dos três deuses criadores, ou se foi o pai dele que o alertou, mas Bergelmir é chamado de gigante sábio (inn fróði jötunn) o que evidência que ele era de natureza benigna e diferente dos demais familiares.

 O transporte usado por Bergelmir e sua esposa para sobreviverem também é incerto, pois a palavra para descreve-lo é "lúðr" que pode significar uma "trombeta" ou "caixa [de madeira]" usada em moinho.

 A trombeta de Heimdall (Heimdallr), a Gjallarhorn, possui conexões com a fonte da sabedoria de Mimir (Mímir) onde antes ficava o Ginnungagap. Thor (Þórr) bebeu parte do oceano que saia do enorme chifre de Utgard-Loki (Útgarðr-Loki). Então, o significado de "trombeta" que tem relação com o mar não é impossível aqui e assim o casal pode ter se equilibrado sobre o instrumento como se fosse um navio. Este instrumento escandinavo usado desde da idade do bronze é bem grande em relação ao tamanho de um homem (medem entre 1.5 a 2 metros), então leve na proporção de um gigante. 

Lúðr encontrado na Escânia, Suécia, datado entre 899-700 a.C., foto de internet.

 A caixa [de madeira] pode se referir aos utensílios dos antigos moinhos quando eram cheios de grãos moídos e, desse modo, foi usado como "barco" pelo gigante. A ideia de um caixão/esquife também deve ser mencionada, pois já foi encontrado um ataúde de madeira de carvalho na Dinamarca contendo o corpo da garota de Egtved de 3500 mil anos atrás. Na literatura nórdica as árvores eram vistas como guardiãs e protetoras, pois Lif e Leifthrasir (Líf e Leifþrasir) sobreviverão ao Ragnarök no Bosque do Tesouro de Mimir (Hoddmímis Holt), que é outra denominação da Yggdrasill; Örvar-Oddr usou um tipo de armadura feito de casca de árvore (næframaðr). Então, o significado de "caixa [de madeira]" também é muito possível, e o mais provável também diante do cenário. A caixa boiaria sobre as águas contendo alimento com o casal gigante. 

Ataúde feito de tronco de árvore da garota de Egtved, Dinamarca, datado de 3500 mil anos. Foto de internet.

 O moinho também é associado ao mar como no caso de Grótti, que era do rei Frodi (Fróði). Segundo se conta, as gigantas escravas Fenja e Menja afundaram o navio do rei Mysing (Mýsingr) moendo sal, devido ao peso. Quando a pedra do moinho afundou no mar causou um redemoinho gigante. 

Fenja e Menja em Grótti, arte de Carl Larsson e Gunnar Forssell de 1886.

Moinho nórdico do período de 1400 d.C., o transporte de Bergelmir em questão seria a caixa de madeira logo abaixo da pedra circular. Fonte da imagem: https://www.locallocalhistory.co.uk/brit-land/power/images/b-land-1400-norse-mill-s.jpg 

 Como foi dito acima, é difícil saber o significado correto, até porque este período é anterior a Terra, e não havia madeira, pedra ou metal, porque estes elementos foram fabricados do corpo de Ymir pelos deuses. Contudo, como a região do Ginnungagap é imensamente colossal e Ymir era enorme, é possível que levou algum tempo para as águas chegarem até onde Bergelmir vivia, o que daria tempo para ele fabricar o seu transporte e nesse caso os deuses já teriam criado a Terra do corpo do gigante primordial e o solo brotado vegetais. Isso parece ser o caso aqui, porque os deuses criam coisas com seu poder e vontade quase que instantaneamente. A Völuspá parece corroborar esta ideia, pois o trio criador elevou Midgard (a carne de Ymir) do mar (o sangue de Ymir) e na sequência, então, os raios solares fizeram as plantas brotaram.

 Porém, este não é o único dilúvio nas narrativas nórdicas, pois há menção a mais dois: o dilúvio causado por Jormungand (Jörmungandr) quando ele combaterá Thor, e outro quando tentaram profanar o túmulo de Balder.

 Na Völuspá e na Edda de Snorri é comentado que no Ragnarök a serpente se levantará do oceano espalhando as ondas e cuspindo veneno para todo lado. Assim que o monstro encontrar Thor, eles combaterão, e o deus do trovão vencerá o inimigo antes de cair, então, os homens deixarão seus lares e logo depois a Terra afunda no mar. É um outro dilúvio universal que está por vir no final dos tempos. Isso porque na religião nórdica o universo é cíclico: nasce, se mantém por um tempo, morre, renasce e assim vai.

 Saxo Grammaticus mencionou um episódio diferente sobre a morte de Balder, o filho de Odin. O semideus (nesta versão) morreu depois de enfrentar Hod (Höðr), e foi sepultado. Este túmulo era muito famoso, e os homens de um certo Harald decidiu abri-la em busca de tesouros. Mas, pararam de terror, pois de repente o cume da sepultura se partiu e ressoou poderosamente e uma torrente de água despencou como um dilúvio, enchendo tudo na região instantaneamente. Para salvar suas vidas, os homens fugiram do local. Saxo pareceu não acreditar na narrativa pagã que ele registrou e a descreveu com sua visão cristã, acreditando que era ilusão fantasmagórica conjurada por mágica, mas que não era real. É claro que a enchente aqui é de menor proporção em relação aos outros exemplos, mas não deixa de ser menos importante ou curioso. Este episódio lembra a narrativa de Snorri onde ele comentou que todos os seres choraram por Balder exceto Loki disfarçado. Devo lembrar que esses exemplos de dilúvios também podem ser um eco longínquo de geleiras derretendo que encheram regiões do polo Norte no passado (da última era glacial?) que ficou registrado na memória dos nativos de lá daquele tempo e passados oralmente de geração para geração.

 É notável que nos três dilúvios nórdicos mencionados esta relacionado a morte de divindades: Ymir antes da criação da Terra, Balder no passado já na Terra, e Jormungandr contra Thor no fim dos tempos que ocorrerá segundo as Eddas.


FONTES:

An Icelandic-English Dictionary, Richard Cleasby & M. A. Gudbrand Vigfusson

Saxo Grammaticus Gesta Danorum: The History of the Danes vol. 1, trad. Peter Fisher

Scandinavian Mythology, Hilda R. E. Davidson

The Elder or Poetic Edda Commonly Known as Sæmund's Edda, Olive Bray

The Poetic Edda, Carolyne Larrington

The Prose Edda, Jesse L. Byock

SITES CONSULTADOS:

https://en.natmus.dk/historical-knowledge/denmark/prehistoric-period-until-1050-ad/the-bronze-age/the-egtved-girl/the-egtved-girls-grave/

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://www.locallocalhistory.co.uk/brit-land/power/page01.htm

https://septisphere.wordpress.com/2019/01/13/pre-industrial-machines-norse-mill/

segunda-feira, 3 de abril de 2023

A origem das Nornes

 As Nornes (Nornir) estão entre as forças mais poderosas da cosmovisão nórdica, senhoras dos destinos dos homens (menn). Elas eram as fiandeiras do destino que moldavam as vidas dos homens. Na Völuspá é dito que elas registravam seu julgamento em placas de madeiras (skáru á skíði, tiradas dos ramos da Yggdrasill?), enquanto no poema Helgakviða Hundisgsbani I é dito que eram em fios de ouro (gullin símu).

As três grandes Nornes: Urd (a mais velha), Verdandi (a matrona) e Skuld (a mais jovem vestida como uma Valquíria) por C. Eherenberg.

 Eram três: Urd (Urðr), Verdandi (Verðandi) e Skuld. A última cavalgava entre as Valquírias (Valkyrjur) para escolher os mortos. Mas, segundo outra fonte, haviam muitas Nornes que pertenciam as raças dos Æsir, dos elfos (álfar) e dos anões (dvergar).

 Porém, a origem das três maiores não é bem clara, embora elas sejam de origem gigante como podemos notar na Völuspá. Vale lembrar que todos os seres são aparentados por laços de sangue através de Ymir (Ýmir) e das dádivas dos trio criador (Óðinn, Vili e ), pois o corpo do gigante foi usado para a criação do universo de onde muitos deuses, homens, anões e outros seres surgiram. E esse parece ser o caso das três Nornes, porque na versão do poema da Völuspá do konungsbók, elas parecem surgir do mar ao lado da raiz de Yggdrasill ("þrjár ór þeim sæ/três saídas do mar"), então, podemos entender que elas "nasceram'' do sangue de Ymir assim que foi morto. A palavra "ór" em nórdico arcaico significa "saído de [algum lugar]" ou "de [origem]". Por isso, elas governam os destinos, porque elas surgiram do primeiro ser desmembrado que deu origem as famílias pelo sangue e poder do trio criador (há uma conexão profunda aqui). A versão do poema da Völuspá do Hausksbók sugere que elas viviam perto da árvore num salão ("þrjár ór þeim sal/três saídas do salão"). Entre as duas versões, a do Konungsbók faz mais sentido (que inclusive é mais antigo dos dois), pois é dito que elas vieram de Jotunheim ("unz þrjár kvámu þursa meyjar, ámáttkar mjök, ór Jötunheimum/até chegarem às três donzelas Þursar, muito poderosas, do Jotunheim"), então elas surgiram do sangue de Ymir transformado em mar que preenchia a região onde vivia os gigantes antes de serem exterminados pelo dilúvio, exceto Bergelmir e sua esposa. O poema Vafþrúðnismál parece confirmar essa ideia, pois é dito que as três filhas de Mogthrasir (Mögþrasir), que provavelmente é uma referência as Nornes aqui, viviam perto de rios e traziam a sorte para o mundo (Þrjár þjóðár falla þorp yfir meyja Mögþrasis; hamingjur einar þær er í heimi eru, þó þær með jötnum alask/Três grandes rios correm sobre a terra das donzelas de Mogthrasir; elas trazem a sorte para o mundo, embora elas fosse criadas pelos gigantes"). As filhas de Mogthrasir são três assim como as Nornes, todas elas viviam perto do mar, elas eram associadas as sortes dos indivíduos e relacionadas aos gigantes. A ideia de deusas surgidos do mar ou algum tipo de liquido divino tem paralela noutras religiões antigas: Afrodite, segundo Hesíodo, surgiu do sangue e sêmen de Urano que caiu no mar; Lakshmi, no hinduísmo, surgiu do oceano de leite quando os Asuras e Devas o agitaram. A ideia de mulheres associadas as águas, as fontes, a sorte, destino e fortuna também se encontra no folclore mundial. Mogthrasir significa "Aquele Que Luta Por Filhos" indicando a capacidade do gigante de gerar muitos filhos, uma característica de Ymir.

 Conclusão: as Nornes nasceram do sangue primordial de Ymir quando o trio criador Odin, Vili e Ve o mataram e por isso elas governam o destino e o nascimento dos seres humanos. Porque a vida nasceu da morte e é para a morte que a vida retorna. Todos os seres humanos repetem o processo de Ymir: nascem, morrem, apodrecem, são devorados por larvas e os nutrientes do cadáver mantém a manutenção da vida, alimentando e dando continuidade a outras criaturas do ciclo da natureza. 


FONTES:

Dictionary of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Edda, Anthony Faulkes

Gods and Myths of Northern Europe, Hilda R. E. Davidson

The Poetic Edda, Caroylne Larrington

SITES CONSULTADOS:

https://web.archive.org/web/20090413124631/http://www3.hi.is/~eybjorn/ugm/vsp3.html

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

Lytir, o deus do vagão

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