quarta-feira, 16 de agosto de 2023

As origens de Sif

 A Sif, esposa de Thor (Þórr), mãe de Ullr e Thrud (Þrúðr), é conhecida por sua beleza e exuberante cabelos, mas infelizmente pouco sobre esta divindade chegou até nós. O prólogo da Edda em Prosa, nos fala que Sif era a mais bela das mulheres (Hon var allra kvinna fegrst), que tinha o dom da vidência e vivia na parte Norte do mundo (Í norðrhálfu heims fann hann spákonu þá, er Síbíl hét, er vér köllum Sif). Os cabelos dela era como ouro (Hár hennar var sem gull). Lembrando que as descrições do prólogo são evemerizados (teoria de que os deuses eram mortais divinizados e não deuses reais), mas isto contém fatos sobre a deusa encontrados nos relatos míticos.

Sif por Jenny Nyström.

 Sif foi desejada pelo gigante Hrungnir (junto com Freyja), indicando sua beleza extraordinária. No Skáldskaparmál e na poesia viking (kenningar) o ouro era chamado de "Sifjar Haddr" que significa "Cabelo de Sif". Essas citações corroboram com o prólogo. No prólogo, também é relatado que ninguém conhece a genealogia de Sif (Engi kann at segja ætt Sifjar). Isso é muito estranho, porém, algo muito incomum apareceu na listagem dos nomes alternativos de Jord (Jörð), a Terra, no Nafnaþulur:

Jörð (Terra)

87. Jörð, Fjörn, Rofa,

Eskja ok Hlöðyn,

Gyma, Sif, Fjörgyn,

Grund, Hauðr ok Rönd,

Fold, Vangr ok Fíf,

Frón, Hjarl ok Barmr,

Land, Bjöð, Þruma,

Láð ok Merski.

 Nesta listagem, a deusa Sif é apenas outro nome de Jord para designar a Terra, e as coincidências não param por ai não: ambas são associadas ao Norte (como vimos no prólogo Sif é associada ao Norte e Jord com a Noruega em kenningar que está no extremo Norte), ambas são associadas ao Thor (esposa e mãe respectivamente), o cabelo de ambas são referências para a colheita e/ou vegetação (embora o cabelo de Sif seja uma metáfora para o ouro, o cabelo humano na cabeça é referido como "a floresta da fazenda do cérebro" ou "holt bœs heila" e as relvas/pastos da terra são chamados de "cabelos de Jord" ou "haddr Jarðar" nos kenningar). O nome "Sif" significa algo como "Parente (por sangue ou casamento)" e no prólogo da Edda em Prosa é dito que os homens pagãos contavam sua linhagem até Jord, então, por consequência a Terra é a mãe e parente de todos os seres. Com isso, podemos deduzir que Sif é uma deusa da terra tal como Jord, já foi apontado que os cabelos dourados de Sif seria a colheita madura. Provavelmente esta ideia era representar o homem como o microcosmo e os deuses [a natureza] como o macrocosmo. Algo similar a essa visão é mencionado no prólogo da Edda em Prosa. Outra coisa parece indicar essa identificação de Sif ser a mesma divindade que Jord: noutra lista do Nafnaþulur apenas Jord aparece na contagem das deusas, enquanto Sif é ignorada (o que é estranho já que ela é esposa do segundo maior deus do panteão).

Ásynjur (Deusas).

23. Nú skal ásynjur

allar nefna:

Frigg ok Freyja,

Fulla ok Snotra,

Gerðr ok Gefjon,

Gná, Lofn, Skaði,

Jörð ok Iðunn,

Ilmr, Bil, Njörun.

 

24. Hlín ok Nanna,

Hnoss, Rindr ok Sjöfn,

Sól ok Sága,

Sigyn ok Vör.

Þá er Vár, ok Syn

verðr at nefna,

en Þrúðr ok Rán

þeim næst talið.

 Talvez, porque ambas eram a mesma e única deusa. Jord foi amante de Odin (Óðinn) e Sif é acusada por Loki e pelo próprio Odin de ter tido um amante, o que indica que o filho de Laufey sabia que o filho de Bestla tinha tido algum relacionando com ela no passado já que ele era amigo do rei dos deuses e seu conselheiro segundo a Sörla Þáttr. Se Sif for mesmo Jord, então, ela é a mãe dos deuses, mas isso ficará pra outro post. Snorri afirmou na Ynglinga Saga que relações entre parentes era comum entre os Vanir e não entre os Æsir, mas Jord possui características do Vanir mesmo sendo filha de Odin. É possível que no momento que Thor (o raio) se uniu a sua mãe Jord (a Terra) tomando o lugar de Odin (o Céu), separando-os, a terra passou a se chamar Sif, para distingui-las, embora fossem a mesma divindade. O deus védico Indra tem papel análogo ao do Thor assim que nasceu: ele ficou entre seu pai Dyaus (Céu) e sua mãe Prithvi (Terra), separando-os, representando o raio. 

 Para maiores informações sobre Jord leiam aqui: https://osegredodasrunas.blogspot.com/2023/04/as-origens-de-jord.html.


FONTES:

A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)

Dictionary Of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Edda, Anthony Faulkes

Gods And Myths Of Northern Europe, Hilda R. E. Davidson

The Poetic Edda, Carolyne Larrington

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

http://heimskringla.no/wiki/Ynglinga_saga

https://www.snerpa.is/net/forn/sorla.htm

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

As origens de Balder, Hod e Vali

 Balder (Baldr), Hod (Höðr) e Vali (Váli) estão entre os grandes deuses apresentados por Snorri na Edda em Prosa (a fonte mais conhecida), eles são citados também no nafnaþulur. Suas origens são diferentes nas variadas fontes. Algumas vezes são confusas e contraditórias. Os três retornarão depois do Ragnarok (Ragnarök) reconciliados. Balder é o mais famoso e conhecido dos três.

Balder por Bengt Erland Fogelberg de 1844, foto de internet.

VERSÃO ISLANDESA (DAS EDDAS E DE SNORRI)

 Balder, filho de Odin (Óðinn) e Frigg, era muito belo, radiante (Hann er svá fagr álitum ok bjartr) e jovem quando morreu por causa da artimanha de Loki. Frigg o descreveu como corajoso e guerreiro quando Loki insultou a deusa no salão de Ægir. Balder é associado aos guerreiros em metáforas (kenningar) da poesia escandinava. Curiosamente, o significado do nome "Balder" é incerto, mas acredita-se que possa significar "Senhor", "Príncipe" ou "Bravo", o que é um título apropriado para um filho de Odin. Inclusive Balder aparece como um rei mortal no prólogo da Edda em Prosa (lembrando que o prólogo é considerado adição tardia na obra de Snorri). A variação de seu nome, "Beldeg/Bældæg", parece indicar conexão solar e/ou luz (BælBál significa "fogo", e dæg ou dag significa "dia", do inglês arcaico e nórdico arcaico respectivamente) e na genealogia dos reis saxões, ele aparece como um rei descendente de Woden (Odin). E faz sentido, pois a palavra lituana báltas ("brilhante" ou "branco") possui certas características e etimologia possível em relação a Balder. Nas Eddas (Eddur), Balder é descrito como sábio, gentil, justo e invulnerável, depois que sua mãe conseguiu fazer toda natureza proteger seu filho, deixando apenas o visgo de fora, o que causou-lhe a morte). O que a maioria das pessoas não percebe na narrativa, é que o visgo usado por Loki pra matar Balder via Hod foi colido perto do palácio de Odin (Vex viðarteinungr einn fyrir vestan Valhöll. Sá er mistilteinn kallaðr). Nas Eddas, Vali nasceu para vingar Balder e matar Hod, os três eram meios-irmãos. Vali  nasceu de Rind (Rindr) e de Odin, depois de uma profecia revelada. Vali é um exímio arqueiro. Rind foi enfeitiçada para gerar Vali, que com uma noite de vida, sem lavar as mãos e se pentear, correu para fazer o seu proposito e levar Hod a pira  funerária. Hod é citado como filho de Odin no Skáldskaparmál, mas sua mãe não é nomeada, ele é cego e forte.


VERSÃO DINAMARQUESA DE SAXO GRAMMATICUS

 Na versão dinamarquesa Balder é apresentado como um poço de luxuria, avido de desejo por Nanna, ele também aparece como filho de Odin. Ele é um semideus, ele era auxiliado pelos deuses, tinha o corpo impenetrável ao aço devido a um alimento especial. Nesta versão, as ninfas das florestas (silvestrium virginum) que provavelmente são Nornas (Nornir) dão as armas mágicas e conselhos necessários para Hod vencer e matar Balder. Saxo descreveu os deuses de forma evemerizada (teoria de que os deuses eram mortais divinizados), embora Balder é descrito como sendo de semente celestial (arcano superum semine procreatum). Hod aparece como filho do rei mortal Hothbrodd, e não de Odin. Ele não é cego, e era um grande guerreiro. Vali é chamado de Boe e era filho de Odin e Rinda. Odin usou magia também para conseguir domar Rinda e ter esse filho com ela. Boe cresceu e matou Hod, mas também morreu depois de um dia devido as feridas de batalha. A versão dinamarquesa de Saxo não é levada muito a sério porque quando é confrontada com a versão de Snorri, a do islandês se prova mais "correta". É possível que esta fosse outra versão da história (o que é comum nas mitologias ter mais de uma adaptação), mas como Saxo costumava desprezar as divindades pagãs e ridicularizar o que ele registrou por ser um homem da igreja, isso fala contra ele. Mesmo Snorri sendo cristão, dele evemerizar as divindades, sua coletânea cita fontes e algumas comprovadas pela arqueologia.

 Com isso temos pontos comuns nas duas narrativas: Balder é invulnerável, guerreiro, filho de Odin, morreu nas mãos de Hod, Hod foi ajudado por seres divinos para matar Balder (Loki, Nornas?), Balder foi vingado por um irmão Váli/Boe. Mas, também diferenças: Hod ser ou não cego, ser ou não ser filho de Odin.

VERSÃO ANGLO-SAXÔNICA

 No poema Beowulf, há uma narrativa similar onde Herebeald e Haethcyn que eram irmãos e filhos de Hrethel (dos Geats) que terminou em tragédia. Haethcyn matou Herebeald com uma flechada acidentalmente. Seu pai lamentou a morte do filho se sentindo incapaz de se vingar. Ele comparou a perda do filho a alguém que morreu enforcado em árvores tal como nos ritos em honra de Odin. É possível que seja outra versão da história, afinal os Geats eram relacionado à Odin. Herebeald é próximo de Balder e Haethcyn de Hod.


FONTES:

A Genealogia dos Deuses Nórdicos, Marcio Alessandro Moreira (Vitki Þórsgoði)

Dictionary Of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Edda, Anthony Faulkes

Gods And Myths Of Northern Europe, Hilda R. E. Davidson

Saxo Grammaticus Gesta Danorum: The History of the Danes Volume I, trad. Peter Fisher

The Poetic Edda, Carolyne Larrington

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Thor matou Jormungand antes do Ragnarok?

 A luta cósmica entre a ordem e o caos aparece em todas as religiões antigas, e era representado pelo combate feroz entre o deus do céu que empunha o raio contra a serpente das profundezas que é o antigo dragão. É um tema recorrente: na Grécia temos Zeus contra Tifão, na Babilônia era Marduk contra Tiamat, na Índia temos Indra contra Vrtra, os Hurritas contavam de Teshub versus Illuyanka, os Eslavos narravam sobre a batalha entre Perun e Veles. Mas, há muitos outros exemplos deste épico confronto, e na Escandinávia era representado por Thor (Þórr) contra Jormungand (Jörmungandr) ou Serpente Midgard (Miðgarðsormr).

 Nos exemplos citados acima quase sempre o deus do céu mata a serpente e manda o inimigo vencido para o submundo (ou Terra da Morte). Tá, mas e no Norte? No Norte existe duas versões como veremos a seguir.

 Nas Eddas (Eddur), Thor enfrentou a serpente Jormungand três vezes:

  1. Quando o Thor tentou levantar o gato de Utgard-Loki (Útgarðr-Loki) que na verdade era Jormungand disfarçada.
  2. Quando o Thor foi pescar a serpente com Hymir, depois do encontro com o monstro no salão de Utgard-Loki.
  3. Quando o Thor e a serpente irão se enfrentar novamente no fim dos tempos.

 Segundo o Gylfaginning, o primeiro encontro entre o deus e a serpente ocorreu quando Thor foi visitar os gigantes, e acabou sendo enganado em desafios ocultados por magia. Utgard-Loki desafiou Thor a levantar seu gato do chão, mas era Jormungand. Thor conseguiu levantar uma de suas patas do chão, fazendo a serpente se contorcer a tal modo que mal conseguiu rodear as Terras. Depois, quando estava para partir da cidadela dos gigantes, Thor ficou sabendo do ocorrido e de seu feito, então, ele decidiu matar o monstro.

 O segundo encontro ocorreu após isso, o deus foi até Hymir disfarçado de jovem (ele tem poder de mudar de forma) querendo ir pescar com o gigante. Os dois foram até o oceano e Thor fisgou a serpente. Aqui o relato é divergente: uma versão (a do Gylfaginning, a do escaldo Bragi Boddason, a estela de Gosforth e a estela de Hørdum Ty) conta que Hymir cortou a corda de Thor, noutra versão (a Hymiskviða, a estela Ardre VIII e a pedra rúnica de Altuna) não existe a intervenção de Hymir. Ambas versões são obscuras e ambíguas, pois elas não clarificam de forma precisa se o deus matou a serpente.

 No terceiro encontro registrado na Völuspá e Gylfaginning, o deus e a serpente se matarão, mas Thor finalizará o inimigo primeiro, saindo vitorioso. Porém, ele dará nove passos e cairá também.

 Como foi falado antes no post anterior, o prólogo da Edda em Prosa mencionou que Thor matou o maior dos dragões que deve ser Jormungand (einn inn mesta dreka), depois o deus se casou com Sif. No Hymiskviða é dito que Thor golpeou a cabeça da serpente violentamente (hamri kníði háfjall skarar). O escaldo Gamli vai além e disse que Thor matou a serpente com o golpe do martelo na cabeça do monstro (grundar fisk með grandi gljúfrskeljungs nam rjúfa). Gamli viveu no século 10 d.C., mas embora os fragmentos de sua poesia não clarifica se o monstro foi morto antes ou durante o Ragnarok, os kenningar (metáforas da poesia viking) parecem indicar que ocorreu durante a pescaria ao julgar pelos indicativos: grundar fiskr ou "peixe da Terra" (Jormungandr no oceano), e grand gljúfrskeljungs ou "destruidor de baleia do desfiladeiro (o martelo de Thor que destrói monstros e usado aqui para se referir a gigantes)" que são referências associados ao mar, no caso a pesca. Hymir pescou baleias na versão do Hymiskviða, corroborando a metáfora do martelo de Thor ("destruidor de baleia do desfiladeiro") como sendo durante a pesca. O escaldo Úlfr Uggason é explícito: ele narrou um salão onde ele estava que tinha imagens entalhados da vitória de Thor sobre a serpente, Thor arrancava a cabeça do monstro abaixo das ondas (Víðgymnir laust Vimrar vaðs af fránum naðri hlusta grunn við hrönnum). Úlfr também viveu no século 10 d.C. e a sua poesia é referente a pesca (hrönnum é uma metáfora para o mar, pois no Ragnarök a batalha acontecerá no campo Vigríðr na terra dos Æsir). Com a intervenção ou não de Hymir, na versão de Gamli e Úlfr, Thor matou a serpente com seu martelo. Curiosamente, no Hymiskviða, Thor é denominado de "O Único Matador da Serpente (Orms Einbani)" indicando uma possível destruição do monstro no poema. A serpente era colossal (um alvo muito grande) e o martelo de Thor não erra o alvo, então, mesmo no caso do corte da linha de pesca por Hymir, o deus atirou a arma no monstro e acertou na cabeça.

Pagina original do manuscrito GKS 2365 4º (também conhecido como Codex Regius ou Konungsbók que significa "Livro do Rei") datado de aproximadamente 1270 d.C.. Na foto destaquei em vermelho o texto onde Thor é chamado de "Orms Einbani" ou "O Único Matador da Serpente". Pouco abaixo há um espaço vazio no texto (logo após o ataque de Thor na serpente), embora não indique lacuna, é muito provável que parte do texto está faltando. 

 No Gylfaginning também é comentado por Snorri que os homens pagãos diziam que Thor havia matado a serpente antes do Ragnarök e durante a pesca, arrancando-lhe a cabeça com uma martelada, mas que ele achava que o monstro sobreviveu para poder morrer junto com o deus no final dos tempos (En Þórr kastaði hamrinum eftir honum, ok segja menn, at hann lysti af honum höfuðit við hrönnunum, en ek hygg hitt vera þér satt at segja, at Miðgarðsormr lifir enn ok liggr í umsjá). Os escaldos Gamli e Úlfr Uggason corroboram com está versão onde Thor matou a serpente durante a pesca (citações registradas no Skáldskaparmál). Ou essa batalha cósmica entre o deus do trovão vs. a serpente tinha duas versões ou a versão original é onde o filho da Terra triunfava e saia ileso da pescaria que terminava com a morte do monstro, enquanto a versão da Völuspá e Gylfaginning seria rearranjado depois do contato com o cristianismo (por influência cristã) ou mesmo adulterado. Na bíblia, no apocalipse, Deus derrotará o dragão e o lançara no abismo, provavelmente esta versão influenciou os escandinavos pagãos de fé mista (que acreditavam em deuses e na trindade cristã ao mesmo tempo, algo citado nas sagas) que tiveram contato com o cristianismo nas ilhas britânicas durante o período da era Viking. Gerando uma cosmovisão dessa batalha mista, hibrida, com elementos pagãos e cristãos. O poema Lokasenna parece confirmar que a serpente estava morta durante o Ragnarök, pois Loki provocou Thor dizendo que ele não estará tão corajoso quando for enfrentar o lobo no fim dos tempos (Jarðar burr er hér nú inn kominn, hví þrasir þú svá, Þórr? En þá þorir þú ekki, er þú skalt við úlfinn vega, ok svelgr hann allan Sigföður). Ué, pra onde a serpente foi então? Não é uma evidência que a serpente já estava morta?

Outra pagina original do manuscrito GKS 2365 4º. Na foto destaquei em vermelho o texto onde Loki falou que Thor combaterá o lobo ("Úlfinn vega") e não a serpente no Ragnarök. Como Thor é chamado de "O Único Matador da Serpente" antes de enfrentar o monstro no Hymiskviða, é possível que o deus exterminou a serpente na pesca e a fala de Loki confirmou isso. Se o Ragnarök era uma profecia onde o filho da Terra e o filho de Loki se matarão, é provável que Thor a anulou.

 As versões de Gamli e Úlfr onde Thor decapitou a serpente são muito importantes porque são datados de meados do século 10 d.C. que corresponde ao final do período pagão. A composição da Völuspá também é datada do final do século 10 d.C., porém a influência cristã na obra é inegável (note que no final pagão temos: os filhos dos deuses, um casal humano, uma árvore, um dragão e um deus que surgirá, que é exatamente o começo que é dito na bíblia: deus e seus anjos, um casal humano, uma árvore e uma serpente), o que coloca esta versão em dúvida. Porque parece que o fim do paganismo abre alas para o cristianismo, a antiga fé morre para dar entrada para a outra. Lembrando que usar "roupagem pagã" nos elementos cristãos (e vice versa) era comum no norte assim que o cristianismo chegou na Escandinávia: Jesus é apresentado como um guerreiro, São Olavo era descrito como Thor, Santa Lucia é associada ao Sol o que lembra a deusa Sunna e etc. Desse modo, elementos pagãos podem ter sido reinterpretados com "roupagem cristã" no período de transição entre as duas religiões. A possibilidade da profecia da Völva tenha sido anulada é grande, pois ela narrou eventos que poderia acontecer, então, Thor matou a serpente na pesca, evitando assim o pior no Ragnarök. Vale lembrar que narrações religiosas possuem muitas versões que nem sempre batem, mas provavelmente a versão mais antiga é onde Thor matava a serpente e sobrevivia ileso (algo mencionado pela renomada Hilda R. E. Davidson). A grande maioria das pessoas preferem acreditar na versão da Völuspá que é mais famosa e bem construída, do que nas versões de Gamli e Úlfr porque ambas conseguem pôr o Ragnarök em xeque.

 Os termos "laust af" e "lysti af" (de "ljósta af") usado na ação de Thor na cabeça da serpente no texto tem sentido de cortar fora, separar, arrancar, ou remover.

 Então, temos a opinião de dois homens pagãos, Gamli e Úlfr, que afirmam que Thor matou a serpente na pesca; e a opinião de Snorri que era cristão do século 13 d.C. achando que o monstro sobreviveu. Qual opinião é mais importante? A dos pagãos que veneravam Thor ou a de Snorri que era cristão e dizia que os deuses eram homens divinizados? Pensem nisso!  

 Outra coisa deve ser mencionada: a maioria das fontes sobre a religião nórdica e seus deuses chegaram até nós pelas mãos da igreja (exceto alguns textos rúnicos e arte pagã nas estelas), alguns relatos são provados pela arqueologia, mas devemos ter muito cuidado aqui, pois esta mesma instituição, no passado, fraldava milagres, relíquias, e era comum eles insultarem e rebaixarem as divindades nas sagas. Por isso devemos ter olhar crítico sempre! Os povos pagãos da Escandinávia passavam sua história oralmente, e as runas que era o alfabeto deles, era usado por quem entendia, afinal nem todos sabiam ler. 


FONTES:

Dictionary of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall

Edda, Anthony Faulkes

Gods And Myths Of Northern Europe, Hilda R. E. Davidson

Myth and Religion of the North: The Religion of Ancient Scandinavia, E. O. G. Turville-Petre

Myths of the Pagan North: The Gods of the Norsemen, Christopher Abram 

Norse Mythology: A Guide to the Gods, Heroes, Rituals, and Beliefs, John Lindow

Scandinavian Mythology, Hilda R. E. Davidson

The Poetic Edda, Henry Adams Bellows

Thor's Hammer, Hilda R. E. Davidson

SITES CONSULTADOS:

https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar

https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i

http://www.vsnrweb-publications.org.uk/Saga-Book%20XXIV.pdf

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