Na cosmogonia nórdica, a substância "eitr" ("veneno") desencadeia um papel importante na criação: o nascimento de Ymir, o primeiro ser vivo. Essa substância correu dos rios gelados de Élivágar, do mundo do frio, até o Ginnungagap onde acumulou camadas de gelo até ser derretido pelo calor do mundo de fogo. Fotos de Internet.
Na Edda em Prosa, a substância é descrita como: kvikudropar (gotas correntes de fluido). Isso é dito no Gylfaginning:
Þá mælti Hárr: "Ár þær, er kallaðar eru Élivágar, þá er þær váru svá langt komnar frá uppsprettum, at eitrkvika sú, er þar fylgði, harðnaði svá sem sindr þat, er renn ór eldinum, þá varð þat íss. Ok þá er sá íss gaf staðar ok rann eigi, þá hélði yfir þannig, en úr þat, er af stóð eitrinu, fraus at hrími, ok jók hrímit hvert yfir annat allt í Ginnungagap."
Þá mælti Þriði: "Svá sem kalt stóð af Niflheimi ok allir hlutir grimmir, svá var allt þat, er vissi námunda Múspelli, heitt ok ljóst, en Ginnungagap var svá hlætt sem loft vindlaust. Ok þá er mættist hrímin ok blær hitans, svá at bráðnaði ok draup, ok af þeim kvikudropum kviknaði með krafti þess, er til sendi hitann, ok varð manns líkandi, ok var sá nefndr Ymir, en hrímþursar kalla hann Aurgelmi, ok eru þaðan komnar ættir hrímþursa..."
Hárr disse: "Quando esses rios que são chamados Élivágar vieram de tão distante de suas fontes, fermentados venenos os acompanhou endurecendo como escória quando corre do fogo, e se transformou em gelo. E então quando esse gelo se formou e se solidificou uma chuva que surgiu do veneno, verteu em cima disso e esfriou a geada, e uma camada de gelo se formou sobre outras através do Ginnungagap."
Então Þriði disse: "Da mesma maneira que o frio e todas as coisas terríveis emanam de Niflheimr, então tudo na vizinhança de Múspell eram quente e brilhante, que o Ginnungagap estava tão moderado como ar sem vento. E então quando o sopro de calor se encontrou com o gelo, de repente descongelou e pingou, pelo poder daquele que envia o calor, a vida apareceu em gotas correntes de fluido e cresceu na semelhança de um homem; que teve o nome de Ymir, mas os Hrímþursar o chamam de Aurgelmir, e é de onde a família dos Hrímþursar surgiu." (trad. minha)
O poema Vafþrúðnismál corrobora essa ideia: o gigante Vafþrúðnir mencionou que os gigantes nasceram das gotas de veneno (eitrdropar) de Élivágar e por isso são terríveis.
"Ór Élivágum
stukku eitrdropar,
svá óx, unz varð jötunn;
þar eru órar ættir
komnar allar saman;
því er þat æ allt til atalt."
"De Élivágar
saltaram gotas de veneno,
e aumentou até que um Jötunn nasceu;
de lá toda nossa tribo
veio a existir,
por isso todos são sempre terríveis." (trad. minha)
A palavra "eitr" parece significar "liquido corporal" ou "pus" além de "veneno" noutras línguas com cognato germânico (Anglo-saxão âtor, Alto-Alemão Antigo eitar, Dinamarquês ædder, Elfdaliano Sueco "ietter" e no antigo dialeto do Reino Unido "atter"). Na literatura, essa substância é associado a um tipo de liquido divino: tal como o sopro de um dragão. Mas também significa bebida forte ou amarga, tal como vinagre (fermentado), novamente corroborando a ideia de Snorri e sua interpretação de kvikudropar (gotas correntes [fermentadas] de fluido). No Fáfnismál nós podemos ler:
"En er Fáfnir skreið af gullinu, blés hann eitri, ok hraut þat fyrir ofan höfuð Sigurði."
"E quando Fáfnir se afastou do ouro, ele soprou veneno e este caiu na cabeça de Sigurd." (trad. minha)
No Jovem Fuþark runicamente temos "ár (bom tempo, plenitude), íss (gelo), Týr (deus) e reiðr (cavalgar, movimentar)" que significa: "plenitude de gelo divino em movimento". Ou seja, o poder criativo e gerador estava presente nas águas geladas do caldeirão primitivo de Élivágar. A substância está ligada diretamente ao gelo e talvez ao sal, já que o significado de "veneno" nos faz lembrar de algo que queima, arde ou ferve. Curiosamente o anão que forjou as armas divinas dos deuses Odin (Óðinn) Thor (Þórr) e Freyr se chamava Eitri ("Venenoso", mas também Sindri). Desse modo, o anão com grande poder criador/forjador tinha o mesmo nome que a substância criadora. Só pra esclarecer: na era viking o Antigo Fuþark (de 24 caracteres) já tinha sido substituído pelo Jovem Fuþark (de 16 caracteres) por causa da evolução linguística. A runa ár representava o som de "a" e de "e". Podemos sugerir que a substância era tanto criativa quanto destrutiva.
Então, porque os gigantes e os deuses, que tinham origem similar, eram diferentes? Ymir nasceu diretamente dessa substância venenosa (eitr) que é descrita como escória (tipo as sobras de metal na forja), enquanto Buri foi libertado por Auðhumbla que lambeu o sal das pedras de gelo (Hon sleikði hrímsteinana, er saltir váru).
Com isso, podemos entender que mesmo com origem similar (ter origem no gelo), Buri nasceu de um gelo limpo (lambido pela vaca divina) e puro; enquanto Ymir (e Auðhumbla?) nasceu de um gelo sujo e impuro (da substância eitri, mas talvez também por causa da fuligem soprada de Muspell que caia no Ginnungagap).
Tácito mencionou que o sal era muito importante para duas tribos germânicas que inclusive se enfrentaram para tomar posse de um rio que continha o mineral, que fazia divisa de suas terras e era considerado sagrado e perto do céu. Onde as orações eram melhor atendidas pelas divindades. As tribos em questão eram os Chatti (Catos) e os Hermunduri (Hermonduros) que tinham invocado Mercúrio (Odin) e Marte (Tyr). Os Hermunduri saíram vencedores do conflito. O interessante é que o sal era importante desde os tempos primitivos germânicos até a era viking segundo sua cosmovisão. Veja o trecho:
"No mesmo verão, uma grande batalha foi travada entre os Hermunduri e os Chatti, ambos reivindicando à força um rio que produzia sal em abundância e delimitava seus territórios. Eles não tinham apenas uma paixão por resolver todas as questões pelas armas, mas também uma superstição profundamente enraizada de que tais localidades são especialmente próximas do céu e que as preces mortais não são ouvidas com mais atenção pelos deuses. É, eles pensam, pela generosidade do poder divino, que naquele rio e naquelas florestas o sal é produzido, não, como em outros países, pela secagem de um transbordamento do mar, mas pela combinação de dois elementos opostos, fogo e água, quando este último foi derramado sobre uma pilha de madeira em chamas. A guerra foi um sucesso para os Hermunduri e mais desastrosa para os Chatti porque eles haviam devotado, em caso de vitória, o exército inimigo a Marte e Mercúrio, um voto que consigna cavalos, homens, tudo de fato do lado vencido à destruição." (trad. minha)
Na Noruega e na Islândia, o sal era obtido principalmente pela queima de algas marinhas. O sal era importante em muitas tradições religiosas do mundo antigo. A descrição de Tácito lembra muito a narração da criação de Snorri.
FONTES:
An Icelandic-English Dictionary, Richard Cleasby & M. A. Gudbrand Vigfusson
Dictionary of Northern Mythology, Rudolf Simek trad. Angela Hall
Edda, Anthony Faulkes
Etymological Dictionary of Proto-Germanic, Guus Kroonen
The Annals, Tacitus trad. de Alfred John Church e William Jackson Brodribb
The Poetic Edda, Carolyne Larrington
SITES CONSULTADOS:
https://heimskringla.no/wiki/Edda_Snorra_Sturlusonar (especialmente: https://heimskringla.no/wiki/Gylfaginning)
https://heimskringla.no/wiki/Eddukv%C3%A6%C3%B0i (especialmente: https://heimskringla.no/wiki/Vaf%C3%BEr%C3%BA%C3%B0nism%C3%A1l e https://heimskringla.no/wiki/F%C3%A1fnism%C3%A1l)
https://super.abril.com.br/mundo-estranho/por-que-as-vacas-lambem-sal
https://www.tastesofhistory.co.uk/post/a-brief-history-of-foods-salt
https://web.archive.org/web/20140314070618/http://www.cargill.com/salt/about/historyofsalt/religion/



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